Partidos debatem frente para isolar bolsonarismo nas eleições municipais

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Partidos de diferentes posições ideológicas começaram a debater a formação de uma frente para isolar candidatos bolsonaristas nas eleições para prefeito em todo o país no ano que vem. A proposta às legendas, em sua maioria da órbita do presidente Lula (PT), foi lançada pelo grupo Direitos Já.

Uma reunião chamada pelo fórum na semana passada em São Paulo serviu para as primeiras discussões. O plano é incentivar a aglutinação dos partidos em cidades onde radicais que difundem o ideário do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tenham chance de vitória e construir candidaturas unificadas.

Oficialmente, fala-se em combater o radicalismo de direita, que nas falas aparece traduzido como bolsonarismo.

Das 15 siglas que compõem o Direitos Já —criado em 2019 contra a escalada autoritária promovida pelo então presidente—, 11 mandaram representantes. Estavam no evento quadros da direção ou da fundação partidária de PT, PSB, MDB, PDT, PC do B, Rede, PV, Cidadania, PSD, PSDB e Podemos.

PSOL, União Brasil, Avante e Solidariedade não participaram da conversa, realizada no hotel Fasano, nos Jardins, mas ainda poderão se integrar à estratégia. O PSOL disse à reportagem que se ausentou por estar no meio de um processo eleitoral interno, mas apoia todos os esforços contra a extrema direita.

Ficou acertado que os representantes levariam a questão para ser discutida internamente em cada partido. Mesmo os entusiastas reconhecem a dificuldade de conciliar o enfrentamento à extrema direita com as alianças locais e a necessidade de composições com adversários em âmbito nacional.

O movimento é inspirado na construção da frente ampla que garantiu a apertada eleição de Lula em 2022. Há a avaliação de que o debate deve passar também pela sociedade civil, com o envolvimento de organizações não governamentais e personalidades que defendam a democracia.

A reunião contou com pessoas desse segmento, como as presidentes do conselho da Fundação Tide Setubal, Neca Setubal, e do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, o advogado Walfrido Warde, o economista Ricardo Sennes e o cientista político José Álvaro Moisés.

Segundo o coordenador do Direitos Já, o sociólogo Fernando Guimarães, a mobilização se impõe para evitar o enraizamento de forças extremistas em prefeituras e Câmaras Municipais. Uma preocupação comum no grupo é com a preservação da democracia após as trepidações sob Bolsonaro.

Só o PL, partido do ex-presidente, tem a meta de passar dos atuais cerca de 300 prefeitos para 1.500 no pleito do próximo ano, contando com Bolsonaro como cabo eleitoral.

Guimarães diz que a análise dos candidatos potencialmente danosos não terá o partido deles como critério único. A ofensiva será principalmente contra aqueles postulantes que revelem descompromisso com valores democráticos, que relativizem os ataques de 8 de janeiro e sejam negacionistas.

O movimento, por ora, descarta dialogar com PL, PP e Republicanos, partidos que sustentaram a campanha à reeleição de Bolsonaro e que o sociólogo situa no campo da extrema direita.

O esforço será concentrado nas cidades com turno único de votação, pela avaliação de que naquelas com dois turnos a aproximação dos partidos progressistas já é natural na segunda etapa.

“Se o nosso campo se dividir, ficará enfraquecido e facilitará o sucesso do adversário”, diz Guimarães, ao falar sobre a necessidade de ter candidaturas unitárias, o que implica que partidos eventualmente abram mão de lançar nomes e, claro, refutem alianças com figuras tidas como antidemocráticas.

O desejo de derrotar o bolsonarismo está em linha com a tática que partidos como o PT querem adotar para 2024, no intuito de evitar que a direita radical ganhe fôlego para 2026. Mesmo com Bolsonaro inelegível, há a leitura de que o campo dele poderá aumentar seu alcance no poder.

O secretário nacional de comunicação do PT, Jilmar Tatto, que esteve na reunião do Direitos Já, afirma que a iniciativa é interessante e se assemelha às diretrizes discutidas pelo partido, mas admite dificuldades.

“Uma coisa é a tese, e outra é quando ela se depara com a realidade. Às vezes existe uma disputa local, com divergências profundas inclusive no campo democrático. Vamos ter que ver caso a caso”, diz o deputado federal por São Paulo.

Tatto lembra que a complexidade da operação envolve ainda as federações (o PT, por exemplo, forma uma com PV e PC do B). Ele diz que poderá compartilhar com os demais partidos mapas com informações sobre as cidades onde Bolsonaro foi mais votado e onde tem aliados competitivos.

Participantes do encontro salientam que a eventual frente democrática respeitará o direito de candidatos do lado oposto de concorrerem.

“Você não pode impedir qualquer candidatura, mas pode se organizar para vencê-la legitimamente na disputa política e eleitoral”, diz o presidente da central sindical União Geral dos Trabalhadores, Ricardo Patah, que compareceu ao encontro como porta-voz do PSD, sigla à qual é filiado.

Para o ex-senador José Aníbal (SP), que representou o PSDB, o esforço por união é válido e precisa começar agora para prosperar. “Temos que estimular um compromisso firme com a democracia, como valor absoluto. Não é fácil [contornar as dificuldades], mas em política nada é fácil.”

O publicitário Chico Malfitani, que foi marqueteiro de Guilherme Boulos (PSOL) na campanha para prefeito de São Paulo em 2020, sugeriu no encontro uma espécie de selo de qualidade que o grupo poderá dar aos seus candidatos, com a inscrição “Aqui é vida! Aqui é democracia!”.

Malfitani diz que a mensagem embute um grito contrário ao “discurso de violência, morte e admiração pela ditadura militar evocado pela extrema direita”.

O coordenador do Direitos Já defende que a democracia seja tratada pelo grupo não como um conceito que soe vago para uma parcela da população, mas como um sistema que permita a participação social e se materialize na forma de respeito a direitos elementares e acesso a serviços básicos.

Guimarães diz que o fórum teve papel relevante nas articulações que levaram à coligação ampla de apoio a Lula no segundo turno do ano passado. O evento de lançamento da entidade, em 2019, atraiu vários políticos e antecipou a pluralidade que acabou refletida no palanque do petista.

Para o sociólogo, no entanto, a vigilância democrática tem que permanecer, já que a margem estreita de votos que deu vitória a Lula e a eleição de um Congresso coalhado de bolsonaristas são alertas. Daí a necessidade de engajar também atores da sociedade civil no processo, destaca ele.

JOELMIR TAVARES / Folhapress

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