Orlan, que fez nove cirurgias para criticar ideal de beleza, ganha mostra no Sesc

GABRIELA LONGMAN

SÃO PAULO

Artista francesa, uma pioneira na performance do corpo, ficou famosa por investigar o feio no mundo das artes

(FOLHAPRESS) Em 12/09/2023 19h30

Em 2004, o filósofo Umberto Eco escreveu um tomo sobre “História da Beleza”, em que revisita os ideais do belo da Antiguidade até o século 20. Mas escreveu “História da Feiura”, onde lista os artistas que puseram em xeque os padrões estéticos de cada tempo –das cenas do apocalipse de Hieronymus Bosch às figuras de Picasso e Francis Bacon.

Eco não chega aos nossos dias, mas é no segundo tomo que mora Orlan, artista com um trabalho que investiga “o feio” até as últimas consequências.

Uma das pioneiras da performance na França nos anos 1970, a artista ficou conhecida pelas nove cirurgias estéticas que realizou nos anos 1990, transformando o próprio corpo em suporte de experimentação e debate público.

Algumas das intervenções foram feitas apenas com anestesia local, com Orlan “dirigindo” os médicos sobre o que deveria ser feito e com transmissão ao vivo dos procedimentos para diferentes galerias na Europa. Em uma delas, enxertou dois relevos sobre as sobrancelhas, criando pequenos chifres, que hoje ressalta com glitter brilhante.

“Podem chamar meu trabalho de blasfematório, se acreditarem em Deus. Eu procuro arrancar as barras da prisão, tentativa radical e desconfortável, mas é uma tentativa”, escreve a artista de 76 anos na autobiografia “Strip-tease: Tudo Sobre Minha Vida, Tudo Sobre Minha Arte”, publicada na França em 2021 e lançada no Brasil pelas edições Sesc, em concomitância com a exposição que ocupa a unidade da avenida Paulista.

A mostra, primeira individual de Orlan na América do Sul, traça um panorama de suas seis décadas de carreira, com curadoria conjunta do francês Alain Quemin e da brasileira Ana Paula Simioni.

Ali, estão fotos, vídeos, uma escultura feitas em mármore de Carrara e a apresentação de um robô feito à imagem e semelhança da artista que usa inteligência artificial para interagir com o público.

Em comum, há o corpo como espaço inquieto de invenção e reinvenção de si, um questionamento recorrente sobre o feminino e a feminilidade e muita influência da iconografia barroca de santos e santas, martírio e êxtase.

“Considero que a beleza deve ser sempre reconsiderada porque é, antes de tudo, um ditado da ideologia dominante”, ela diz na montagem.

“A cirurgia estética é um fenômeno da sociedade e me parece importante interrogá-la. Fiz cirurgias que não eram destinadas a trazer beleza, mas ao contrário, monstruosidade, feiura, o ‘indesejável’.”

Orlan já cultivou células de sua flora bucal, intestinal e vaginal para usar como material de trabalho. Sublinhando rótulos, desenvolveu, muito antes das discussões correntes sobre não binariedade, uma performance em que segurava um cartaz com a inscrição “eu sou um mulher e uma homem”, e em 1977 criou “O Beijo da Artista”, em que convidava os visitantes a depositar uma moeda de cinco francos em seu corpo em troca de um beijo de língua.

No Sesc, há ainda “Origem da Guerra”, de 1989, sátira da “Origem do Mundo” de Gustave Courbet, com um pênis no lugar da vagina realista.

“Os historiadores da arte querem sempre pôr você numa gaveta. Eu sou uma artista que não está sujeita a uma prática, um material, uma técnica, uma tecnologia”, diz ela, acrescentando que coisas que ficaram de fora da autobiografia serão usadas em seu primeiro romance, ainda a ser escrito.

ORLAN

Quando: Ter. a sex., das 10h às 21h30; sáb., das 10h às 19h30; dom., das 10h às 18h30. Até 28 de janeiro

Onde: Sesc Avenida Paulista – av. Paulista, 119, São Paulo

Preço: Grátis

Classificação: 14 anos

GABRIELA LONGMAN / Folhapress

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