Mudança para favorecer políticos avança, e relator diz que cortar verba de negros simplifica

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Câmara dos Deputados avançou com duas iniciativas de mudanças nas regras eleitorais de interesse de partidos e políticos com a intenção de aprová-las a jato para valer já nas eleições municipais de 2024.

Uma é a minirreforma eleitoral, que deve ter sua urgência aprovada na nesta terça-feira (12). A proposta, composta de dois projetos de lei, abre brechas para afrouxar a aplicação da Lei da Ficha Limpa e da Lei de Improbidade Administrativa, entre outros pontos.

Já a chamada PEC da Anistia, que teve seu relatório protocolado na manhã desta terça, visa conceder o maior perdão da história a partidos políticos. No relatório apresentado nesta terça, o deputado Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP) confirma a proposta de corte de mais de 50% da verba de campanha a ser destinada a candidatos negros, sob o argumento de que isso vai simplificar o processo eleitoral.

O relatório foi antecipado na íntegra pela Folha de S.Paulo no último dia 5.

Em sua justificativa, Rodrigues afirma que o corte do dinheiro destinado a pretos e pardos tem o objetivo de tornar mais “simples” a regra tendo em vista que, em sua visão, a determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) de distribuição proporcional ao número de candidatos negros é “complexa”.

“Parece-nos complexo o sistema de aferição criado pela Suprema Corte para dar concretude à sua decisão. A nosso ver, para que o sistema funcione adequadamente, devem estar presentes os atributos da simplicidade, objetividade e transparência”, escreveu Rodrigues.

“A partir desses requisitos, estamos a propor que um mínimo de 20% dos recursos de origem pública recebidos pelo partido seja destinado a candidaturas de pessoas pretas e pardas. É um sistema simples, de fácil compreensão por todos e, principalmente, exequível.”

Por decisão do STF, os partidos precisariam ter distribuído a bilionária verba de campanha já em 2022 de forma proporcional ao número de candidatos brancos e negros (pretos e pardos).

Ou seja, naquela disputa os negros deveriam ter recebido 50% da verba eleitoral de R$ 5 bilhões. O descumprimento pelos partidos foi um dos motores da apresentação da PEC da Anistia.

O pacote eleitoral que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pretende aprovar nesta semana precisa de aval da Câmara e do Senado e promulgação ou sanção até o próximo dia 5 para que passe a valer para as eleições de 2024 —as duas Casas já vêm dialogando para que esse prazo seja atingido.

Na minirreforma eleitoral, uma das alterações previstas permite, por exemplo, que um candidato concorra mesmo se já tiver revelado um segredo de Estado, frustrado uma licitação pública em benefício próprio, vazado informações privilegiadas ou nomeado familiares para cargos de confiança.

A proposta também enxuga o tempo de inelegibilidade de um candidato, ao considerar que o prazo de oito anos em que um político não pode concorrer deve ser contado a partir do momento da condenação, e não apenas após o cumprimento da pena.

As propostas apresentadas têm alterações com relação ao anteprojeto, divulgado na segunda-feira (11).

Foi suprimido do texto um trecho que previa que uma chapa não poderia ser derrubada, por exemplo, caso a cassação fosse causar “redução do número de candidatas eleitas”.

O dispositivo foi criticado por poder inviabilizar a penalização, inclusive, de candidaturas que tenham fraudado a própria cota de gênero.

O trecho, no entanto, foi incorporado ao texto da PEC da Anistia, que é defendida pela presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR), e assinada pelo líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).

Já a PEC das Mulheres, que é o terceiro projeto do pacote, pretende estabelecer uma cota mínima de cadeiras no Legislativo de 15%, patamar inferior ao que a bancada feminina conseguiu eleger para a Câmara dos Deputados em 2022, 17,7%, medida que pode ser acompanhada da redução de 30% para 15% da cota de candidatas que os partidos são obrigados por lei a lançar.

Esses percentuais subiriam ao longo das eleições, mas o texto ainda não está fechado.

O PSOL indicou que deve apresentar um destaque para impedir que a proposta incorporada da minirreforma de fato inviabilize a punição às fraudes eleitorais.

A visão do partido é que a PEC pode ser benéfica, “em partes”.

“Nenhum outro país no mundo, quando institui política de reserva de cadeiras nas Câmaras, institui somente 15% das cadeiras. Ao mesmo tempo, num país em que metade das Câmaras não tem nenhuma mulher vereadora, seria um primeiro passo, ainda que muito tímido”, afirmou a deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP), que participa do grupo de trabalho que discute o texto.

A proposta da minirreforma eleitoral, se aprovada da forma como está, define que é necessária comprovação de culpa para aplicação da Lei de Improbidade Administrativa.

“O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”, diz a proposta.

Neste mesmo dispositivo, a proposta exclui do rol dos atos que podem levar à inelegibilidade aqueles que “contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade”, atingindo diretamente a última reforma da Lei da Ficha Limpa, de 2021.

Dentro dessa categoria, se encontram, dentre outros casos, as práticas de revelar segredo de Estado, frustrar licitação ou concurso público em benefício próprio, deixar de prestar contas, desrespeitar a Lei de Acesso à Informação, vazar informação privilegiada e até nomear familiares, mesmo que indiretos, para cargos de confiança.

“Condenações com base em atos de improbidade que atentem contra os princípios da administração pública não causariam em inelegibilidade,” diz Guilherme France, da Transparência Internacional.

Parlamentares ouvidos pela reportagem sob reserva também veem que nesse ponto podem ser enquadrados, por exemplo, violações contra os mínimos constitucionais de destinação de verbas públicas para saúde e educação, e que também passariam a não causar inelegibilidade.

Dentre os casos que levariam a inelegibilidade estão os de lesão ao erário e enriquecimento ilícito. Mas a redação atual do texto diz que isso só pode acontecer em caso de ato “ilícito tipificado exclusiva e cumulativamente”.

“Então, se uma pessoa for condenada só por danos ao erário ou enriquecimento ilícito, isso não seria suficiente para gerar o efeito da inelegibilidade, porque acrescentam a cumulatividade de ambos”, diz France.

JOÃO GABRIEL E RANIER BRAGON / Folhapress

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