Cade abre apuração preliminar sobre conduta de bancos contra parcelamento de compras sem juros

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) iniciou uma apuração preliminar sobre uma suposta atuação conjunta de instituições financeiras para atrelar o redesenho do parcelamento de compras sem juros à discussão sobre o rotativo do cartão de crédito.

O órgão de defesa da concorrência busca saber se dois ou mais bancos se articularam para criar uma estratégia conjunta e agir de maneira coordenada para criar uma situação de mercado. A informação foi publicada pelo Valor e confirmada pela reportagem.

Para avaliar se leva o caso adiante, o Cade pediu informações a bancos, bandeiras de cartão de crédito e associações como Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços), que representa parte das empresas de maquininhas de cartões, dos emissores e das bandeiras, e Abranet (Associação Brasileira de Internet), representante de empresas como PagSeguro e Mercado Pago.

A decisão pela abertura do procedimento preparatório foi tomada depois de informações não oficiais chegarem ao órgão sobre uma suposta ação coordenada dos bancos para impor mudanças no parcelamento de compras sem juros em meio à limitação dos juros no rotativo do cartão de crédito.

Os bancos falam em subsídio cruzado entre as modalidades por conta da inadimplência. Na prática, isso quer dizer que um mesmo cliente que efetuou diversas compras parceladas pode eventualmente no futuro enfrentar dificuldades financeiras e, pelo volume acumulado de compras, não conseguir honrar o pagamento integral da fatura de cartão de crédito caindo, assim, no rotativo.

Por outro lado, parte do setor de cartões de crédito rechaça uma relação de causalidade entre as duas modalidades e nega que a inadimplência seja maior nos prazos mais longos do que nos pagamentos à vista.

Apesar dos interesses conflitantes nessa equação, os participantes do mercado são unânimes em um ponto: não há bala de prata que sozinha resolva a questão.

Em julho, a taxa média de juros cobrada pelos bancos de pessoas físicas no rotativo do cartão de crédito atingiu 445,7% ao ano, segundo dados divulgados pelo Banco Central.

No Cade, o processo se encontra em uma fase embrionária e tramita em sigilo. Com base nas informações coletadas, a autarquia irá verificar se existe, de fato, um caso a ser investigado.

A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) disse não ter recebido notificação do Cade.

“A Febraban e os bancos, dentro da conduta legal e concorrencial que sempre os pautaram, continuarão participando dos debates com o governo e o BC, na busca de um caminho que dilua o risco de crédito entre os elos da cadeia e elimine os subsídios cruzados, numa transição sem rupturas do produto do cartão de crédito e de como ele se financia”, disse a entidade, em nota.

Procuradas, Abranet e Abecs não se posicionaram até a publicação da reportagem.

Até agora, segundo um interlocutor a par da apuração, há a percepção de que as instituições financeiras tentaram forçar uma situação para criar a autorregulação das modalidades de crédito, mas recuaram diante da suspeita de supostas infrações à concorrência de mercado.

Há a expectativa de que a disputa volte a ser travada nos bastidores durante as negociações com o BC e o Congresso Nacional.

Qualquer modificação no parcelamento de compras sem juros -instrumento amplamente utilizado pela população brasileira- é vista como impopular e deve encontrar pouco respaldo dos parlamentares, na visão de fontes ouvidas pela reportagem.

No PL (projeto de lei) do Desenrola Brasil, aprovado pela Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado Federal, está previsto um prazo de 90 dias para as próprias instituições financeiras definirem um limite de juros para o rotativo do cartão e para o parcelamento do saldo devedor da fatura.

Se não houver acordo com aval do CMN (Conselho Monetário Nacional) dentro desse período, será aplicável um teto que limita a dívida ao dobro do montante original. O texto em discussão no Congresso não trata até agora do parcelamento de compras sem juros.

Relator do projeto no Senado, Rodrigo Cunha (Podemos-AL) afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo que ainda iria estudar a questão, mas que via distorções no uso das compras parceladas sem juros.

Depois de um encontro com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, o senador disse em nota que iria “lutar para que a prática do parcelamento sem juros não seja alterada nem extinta.” “Precisamos ampliar o debate em defesa da sociedade e ouvir os segmentos envolvidos no tema”, acrescentou.

NATHALIA GARCIA / Folhapress

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