Evento no Rio tenta auxiliar mulheres evangélicas em busca de marido

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – “Boa noite, mulheres lindas! Nossa, tô vendo um jardim aqui”, Laís Fong, 33, saúda a plateia antes de explicar o tema dos próximos quatro dias: florescer.

Laís é assessora e também aluna do Quero Casar, projeto voltado a mulheres evangélicas que acalentam o sonho da família tradicional brasileira própria —ela mesma ainda está nessa batalha. O programa, que também envolve curso online e mentorias individuais, é tocado pela comunicadora Natália Varela Alves, 47.

É dela o rosto que desponta de dentro de um coração impresso no banner de fundo rosa, e também o marido que senta algo acanhado no fundo da sala. O ex-jogador de futebol Magno Alves, 47, é um trunfo para mostrar que, se a cearense consegue, também conseguem as mulheres que pagaram até R$ 2.899 pelo pacote de palestras, três noites num hotel de luxo à beira-mar no Leblon carioca e uma ida ao Cristo Redentor.

“O desejo de casar está presente na vida da grande maioria das mulheres”, diz a idealizadora do Quero Casar em livro homônimo. “Ainda pequena, se imaginam vestidas de noiva, deslumbradas para o grande dia. As bonecas tornam-se filhas, e já contemplam, na doce inocência, o sonho da família feliz.”

Um sonho que logo desbota se falta preparo emocional, ela argumenta. Mas não se desespere: “Estou aqui para te ajudar! Os projetos de Deus jamais terão prazo de validade”.

Natália chega de vestido floral até os pés e, enquanto abraça uma a uma, distribui rosas às duas dezenas de mulheres ansiosas pelo enlace, muitas já divorciadas, outras que nunca largaram o abominado status de solteira. “Gostaram do meu look? Vocês vão sair daqui assim, lindas. Vamos bater palmas para Jesus!”

Olhem para baixo, instrui. “Se você não está se sentindo assim hoje, como esta rosa viva, feliz, cheia de cor, você vai sair dessa imersão como ela. Amém?”

Para não dizer que Natália só falou de flores, tem a história bíblica de Noemi, que perdeu marido e os dois filhos. Ela atribuiu as desgraças sofridas a Deus e quis ser rebatizada Mara, a amargurada.

“Todas passam por momentos de desacreditar nas promessas de Deus”, desanimadas pela sensação de que “nada dá certo, todo mundo casa, e eu não”, afirma a palestrante. Mas não podemos ser uma Noemi. “Olha para a irmã ao lado e diz: vai chegar, tá mais perto que longe.”

Ela também esperou muito por seu varão, conta. Coloca na conta dos pais, que se separaram quando tinha 10 anos mas continuam até hoje dividindo o mesmo teto, a dependência emocional que a fez se estrepar repetidas vezes na jornada amorosa.

Casou com 19 anos, trocou Fortaleza por Macapá, e tudo acabou seis meses depois. Desenvolveu depressão e uma bulimia.

Novo matrimônio. Não tinha nem 30 anos quando se divorciou pela segunda vez, três anos depois.

Em 2004, levada à igreja por um namoradinho, converteu-se evangélica. A fiel da Paz Church Fortaleza começou ali a assimilar premissas bíblicas como a de que seu corpo pertence ao seu marido.

Quando Magno apareceu em sua vida, um “Batman gospel” todo de preto, estava decidida a só namorar o futuro esposo. Por dois anos, deu foras consecutivos no atacante que já jogou no Fluminense. Ele estava num time do Qatar quando a convenceu a visitá-lo na Ásia. Já no primeiro dia lhe deu uma aliança.

Casaram e, numa viagem à África do Sul, “encomendamos nossas joias mais preciosas”. Em 2013, ele anunciou que a mulher estava grávida dos gêmeos Levi e Liz. A caçula Loren veio depois.

Enquanto mordisca massa, salada e carne do almoço servido às discípulas no hotel, Natália descreve à Folha sua receita para uma vida plena. Não dá para aceitar o primeiro que aparece na frente. É preciso ter critério porque, como disse mais cedo a suas ouvintes, “você não tá numa prateleira para ser escolhida, você vai escolher”.

Não se contente com pouco e saiba o que quer. Compara: quem vai ao shopping para comprar um iPhone 14 de capa rosa, volta com um. O mesmo valeria para um marido.

“O casamento é o maior projeto de Deus na Terra”, diz quando questionada se é possível nunca subir no altar e ainda assim ser feliz para sempre.

O formato que sugere é heteronormativo. “Biblicamente, Deus viu que não era bom Adão estar só e pegou uma costela sua para fazer Eva.”

Natália acredita que seu trabalho tem um diferencial. Seu maior público é a “mulher madura que não desistiu do sonho de casar”, e são muitas por aí. “Quase não tem ministério [nos templos] para cuidar da solteira.”

Caso de Viviane Freire, 43, representante têxtil que em 2000 se separou de “um homem que era prostituto, me traiu, não tinha conhecimento da palavra de Deus”. Natália tem um conselho a ela.

A mulher precisa estar bem resolvida na solteirice e “completa em Deus” para ter uma união abençoada. Dar-se ao valor para não virar aquela “em relacionamento tóxico que come migalhas que caem da mesa”. No último 7 de Setembro, Dia da Independência, Natália por sinal fez uma transmissão em suas redes sociais com a bandeira do Brasil atrás. Pregava a “independência emocional”.

Outro conselho: “Tribo casa com tribo”. Melhor buscar um varão fiel do que um homem que não compartilhe dos mesmos valores.

Natália capricha na manhã seguinte, com um novo longo, agora de cor azul e com detalhes em bordado branco. A próxima palestrante, anuncia, é Enezete Rodrigues, 56, pastora pop no Instagram, com seus 716 mil seguidores.

Enezete diz que no passado as meninas de 11, 12 anos “só pensavam em casar e ser mãe”, mas hoje parece que ninguém mais sabe o que quer.

Primeiro vêm as fungadas, quando ela cita famílias disfuncionais que deixam cicatrizes na vida adulta, como pais mulherengos que maltratavam as mães. Depois o choro aberto de quase todas as mulheres na sala, como que num transe. Uma delas soluça contando que a mãe lhe disse certa vez que ela nasceu por um “erro de tabelinha”. Conclui: se não foi desejada no nascimento, por que agora acharia que um homem pode a querer?

Enquanto muitas se questionam se são dignas de serem amadas, esquecem-se do principal, diz a pastora. “Você já foi amada por Jesus.”

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER / Folhapress

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