Alvo de controvérsia após apagão, concessão de energia em SP é federal

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A queda de energia que já dura quatro dias em mais de um milhão de endereços em todo o estado de São Paulo levou a uma discussão, nas redes sociais, sobre as responsabilidades do setor público para conter a crise.

Moradores direcionaram reclamações às empresas concessionárias, ao prefeito Ricardo Nunes (MDB) e ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). O órgão responsável por entregar a gestão às empresas e fiscalizar a qualidade do serviço neste caso é federal, mas há a possibilidade de fiscalização complementar e aplicação de multas por um ente estadual.

No Brasil, as atividades de produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica são uma responsabilidade da União, ou seja, do governo federal. É assim ao menos desde a Constituição de 1934, com a regulamentação do Código de Águas naquele ano. Antes, essas competências eram municipais. Já o aproveitamento das quedas de água eram dos estados.

A Constituição de 1988 ratificou essa competência federal, e, em 1996, foi criada a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), autarquia ligada ao Ministério de Minas e Energia.

É da Aneel a competência para gerir os contratos de concessão de todos esses serviços. Essa responsabilidade pode ser delegada a agências estaduais e municipais que terão papel complementar ao órgão nacional, o que ocorre com frequência.

Em São Paulo, a distribuição de energia geralmente é associada ao setor público estadual pelo fato de o serviço ter sido prestado durante décadas pela companhia AES Eletropaulo, fundada pelo governo paulista. Como a companhia estadual era a vitrine do serviço, há uma confusão natural sobre a responsabilidade pelo serviço.

A Eletropaulo era uma concessionária pública, contratada pelo governo federal para prestar o serviço de distribuição de energia. A estatal foi fundada em 1981 pelo então governador Paulo Maluf. Com o passar dos anos, ela tornou-se uma empresa de capital aberto, em que o governo estadual tinha uma grande fatia e controle sobre a administração.

Em 2018, o estado fez um leilão das suas cotas na empresa, que foram adquiridas pela empresa italiana Enel. A multinacional tornou-se então a maior distribuidora de energia elétrica do país.

A Enel herdou o contrato de concessão do serviço na capital paulista, assinado entre União e Eletropaulo em 1998. A prazo da concessão dura até 2028.

As responsabilidades de exploração de autorização, concessão ou permissão de serviços, instalações e potenciais energéticos são exclusivas da União, segundo Romário Batista, pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas. “Não há competência concorrente com estados ou municípios nessas atividades.”

O que pode acontecer, de acordo com o advogado Mauro Moura, sócio da área de direito público e regulação do Veirano Advogados, é uma autorização por meio dos chamados convênios de cooperação para agentes estaduais. “Os estados poderão, sobretudo, executar a fiscalização de serviços e instalações de energia elétrica, efetuar estudos de apoio à regulação federal e apurar demandas feitas por consumidores e agentes do setor elétrico.”

É por meio desse convênio que agentes da Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo), por exemplo, podem fiscalizar os serviços e instalações e aplicar multas em São Paulo. Caso a Enel recebesse uma multa da Arsesp, poderia recorrer à Aneel.

“A concessionária Enel pode ser multada no valor de até 2% da receita operacional líquida da concessionária verificada nos 12 meses anteriores à lavratura do auto de infração”, diz Batista, da FGV. Neste caso, diz ele, o valor poderia alcançar até R$ 375 milhões por infração.

Moura ressalta que o caso do apagão é incomum, em meio a uma calamidade pública. “Por um lado, é preciso garantir que haja diligência na reparação das redes que foram afetadas. Por outro, não se pode impor uma punição à distribuidora pelo fato da interrupção do serviço ou pela alta intensidade dos efeitos das tempestades que atingiram São Paulo.”

A situação do fornecimento de energia elétrica é diferente, por exemplo, da concessão de iluminação pública de São Paulo, feita pela prefeitura por meio de parceria público-privada.

“Seria bem menos eficiente se cada município precisasse assinar um contrato de concessão para viabilizar esses serviços dentro do seu perímetro”, afirma Moura, do Veirano, sobre a extensão -inclusive das linhas de transmissão– do serviço de distribuição de energia. “Para garantir uma prestação uniforme desses serviços, sua responsabilidade foi assumida pela União.”

No caso paulistano, segundo Romário Batista, o serviço “prover de luz as vias e logradouros públicos” está na Constituição de 1988. “[A iluminação] foi confirmada a competência municipal como um ‘serviço público de interesse local’.” Assim, a prefeitura licita o serviço de iluminação, e a energia continua sendo fornecida pela Enel, atual concessionária.

TULIO KRUSE E LUCAS LACERDA / Folhapress

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