Lei usada por Tarcísio para entregar terras com desconto a fazendeiros vira jogo de pressões

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma lei usada pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) para entregar terras a fazendeiros com 90% de desconto é alvo de pressões contra e a favor no STF (Supremo Tribunal Federal).

O julgamento de uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) movida pelo PT, contrário à legislação, acabou adiado pela corte nos últimos dias.

O adiamento aconteceu após o governador se encontrar com ministros do STF em Brasília para tratar do tema. Não há nova data marcada para o julgamento.

O caso frustrou petistas que cobravam uma solução rápida para o caso, uma vez que o governo Tarcísio acelerou a aplicação da lei e já começou a entregar títulos de posse.

Entenda a origem da polêmica, o que está em jogo e as pressões envolvidas:

ORIGEM DA LEI

A lei alvo de disputa foi aprovada pela Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) em 2022 e recebeu a sanção durante a administração de Rodrigo Garcia (PSDB).

Ela prevê que áreas devolutas ocupadas por fazendeiros podem ser legalizadas mediante pagamento, com descontos de até 90% no valor estimado do imóvel. Para isso, segundo o governo, é preciso cumprir critérios técnicos para que seja feito um acordo, entre eles o de função social da propriedade.

O projeto teve apoio de Rodrigo Garcia e, entre seus autores, estava o então líder do governo na Assembleia Vinicius Camarinha (PSDB), além de outros tucanos e representantes de MDB, Republicanos e União Brasil. Na ocasião, o grupo afirmava que o objetivo era oferecer segurança jurídica aos proprietários.

Foi no governo Tarcísio de Freitas, eleito com o respaldo do setor agropecuário, que os processos começaram a ser implementados.

As terras devolutas são áreas públicas ocupadas de maneira irregular, que nunca receberam uma destinação específica por parte do poder público e jamais foram propriedade particular. O governo, então, inicia um processo de discriminação desses terrenos, dando preferência aos ocupantes atuais.

EMBATE JUDICIAL

O PT entrou com ação direta de inconstitucionalidade no STF em dezembro de 2022 para barrar a lei. Até o momento, há pareceres da PGR (Procuradoria-Geral da República) e da AGU (Advocacia-Geral da União).

O parecer do então procurador-geral da República, Augusto Aras, diz que a lei e o decreto que a regulamenta “parecem invadir competência da União” e violar preceitos que envolvem a compatibilização com a reforma agrária.

Já a AGU afirma que o modelo na lei deixa de preconizar a necessidade de que esse tipo de procedimento cumpra normas da política de reforma agrária.

A Procuradoria-Geral do Estado de SP, por outro lado, sustenta que a regulamentação da lei deixou claro o cumprimento da função social da propriedade rural, ao existir laudo que comprove o “aproveitamento racional e adequado do imóvel”.

O PT havia pedido liminar para barrar a lei, mas tudo indica que a decisão será tomada pelo colegiado.

A ação no STF está a cargo da ministra Cármen Lúcia. Ela já havia sido procurada por membros do governo e também petistas como o deputado estadual Eduardo Suplicy, argumentando contra e a favor da lei.

A relatora havia definido que o julgamento do caso deveria acontecer entre os dias 10 e 20 deste mês. Na quinta-feira (9), porém, o caso foi retirado de pauta.

O adiamento coincidiu com viagem a Brasília do governador, que se encontrou com ministros do STF para tratar do tema.

ENTREGA DE TERRAS

Enquanto o assunto não é decidido, o governo paulista corre para entregar o maior número possível de terras aos fazendeiros.

Um vídeo anexado no processo que corre no STF mostra o então diretor-executivo do Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo), Guilherme Piai, orientando agilização de processos antes que a lei caia. Suplente de deputado federal pelo Republicanos, Piai foi cabo eleitoral de Tarcísio e Bolsonaro no Pontal do Paranapanema, região oeste do estado.

“Agora está acontecendo uma questão política, que também foge da alçada do Itesp, que essa lei tem grandes chances de cair”, disse na gravação, citando que é necessário atuar no processo “enquanto a lei está vigente”.

Desde então, Piai foi promovido a secretário de Agricultura.

Em setembro, Tarcísio entregou os primeiros 37 títulos de posse a fazendeiros.

O QUE DIZEM PT E MST

Na peça com pedido de liminar contra a lei feita pelo PT, assinada pelo advogado Marcio Calisto Cavalcante e outros, o partido diz que o governo traçou estratégia de instigar as pessoas a acelerar os processos.

Petistas e movimentos sociais como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) afirmam que o governo está entregando terras que poderiam ser usadas para fazer a reforma a agrária a preços módicos.

Os primeiros dez imóveis analisados foram avaliados em R$ 64 milhões. O total dos descontos previstos, porém, soma R$ 50 milhões —proprietários teriam que pagar só R$ 14 milhões. Os terrenos somam 3.900 hectares, o equivalente a 25 áreas do parque Ibirapuera.

O PT estima que 33 fazendas já vendidas com descontos entre 78% e 90% podem ter descontos de até R$ 150 milhões.

Há mais mais de uma centena de processos, entre os finalizados e em curso, fazendo com que as cifras possam ser ainda maiores.

O QUE O GOVERNO TARCÍSIO DIZ

A gestão Tarcísio afirma que, em vez de perder dinheiro, poupará e poderá utilizar o que conseguir com indenizações em investimentos no campo.

“Mais adequado do que se apontar o valor de desconto dado pelo estado a estes particulares é apontar o valor que o estado deixará de gastar com a continuidade do litígio e a necessidade de pagamento das indenizações por benfeitorias, bem como o quanto arrecadará para investimentos em políticas sociais”, afirmou o Itesp, em nota.

Segundo o órgão, há casos de propriedades aptas a acordo que ainda não foram declaradas devolutas. Só no Pontal do Paranapanema 84 ações discriminam 1,2 milhão de hectares, das quais 29 foram julgadas improcedentes, afirma a fundação.

“Portanto não há certeza de sucesso no ingresso de ações judiciais discriminatórias e o acordo para regularização evita o risco processual”, diz o Itesp.

ARTUR RODRIGUES / Folhapress

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