Código de ética para o STF, como o dos EUA, repetiria regras que já existem e são ignoradas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um código de ética específico para os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), aos moldes do que divulgou neste mês a Suprema Corte dos Estados Unidos, seria um sinal de transparência e respeito pela sociedade, mas não é primordial, afirmam especialistas.

Para profissionais do direito ouvidos pela reportagem, o Brasil já tem regramento ético que se estende ao Supremo, embora parte dos ministros não coloque em prática algumas das orientações que regem a magistratura.

Segundo Gustavo Sampaio, professor de direito constitucional da UFF (Universidade Federal Fluminense), normas voltadas aos juízes estão presentes na Constituição, no Código de Ética da Magistratura Nacional, aprovado em 2008 pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), e na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, de 1979.

Como o CNJ está hierarquicamente abaixo do STF, o Código de Ética não abrange o Supremo, explica o especialista. Restam princípios da própria Constituição e da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, a Loman.

A lei determina, por exemplo, que é vedado aos juízes manifestar opinião sobre processo pendente de julgamento, algo que os especialistas veem como sendo recorrentemente desrespeitado por alguns ministros do STF.

Segundo Ana Beatriz Presgrave, especialista em direito constitucional e professora da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), o único mecanismo que o Brasil tem para controlar os atos dos ministros do STF é o pedido de impeachment, que pode ser aberto pelo Senado em casos que envolvam crimes de responsabilidade.

Para ela, a criação de um código de ética voltado aos ministros do STF, a exemplo do que fez a Suprema Corte americana, seria uma demonstração de transparência.

Ana Presgrave destaca aspectos do código de conduta dos EUA que considera importantes, como a restrição de participação em eventos e o recebimento de presentes.

O código de conduta dos Estados Unidos foi divulgado depois de pressão crescente contra ministros da corte imersos em escândalos envolvendo presentes e o pagamento de viagens.

Segundo trecho do documento, o objetivo foi dissipar o “mal-entendido” de que ” juízes dessa corte, ao contrário de todos os outros juristas deste país, consideram-se como livres de quaisquer regras éticas”.

Para o professor Gustavo Sampaio, um regramento ético específico para os ministros do STF seria bem-vindo desde que não invadisse a autoridade decisória dos juízes.

“Seria prudente e um avanço, mas dependendo de como viesse. Não seria bom para a República se fosse concebido um código de ética como resposta parlamentar para entrincheirar o STF, a fim de que ele tivesse menos controle sobre os parlamentares”, afirma.

Sampaio faz referência à atual dinâmica entre STF e Congresso, em que o Legislativo tenta fazer oposição à decisão dos ministros em matérias como a descriminalização do porte de drogas e do aborto.

Nesta quarta-feira (22), o Senado aprovou a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que limita as decisões individuais de ministros do STF, após uma ofensiva encampada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O texto agora será apreciado pela Câmara.

Segundo Sampaio, um código ajudaria a fortalecer alguns princípios éticos, como o de se comportar com mais recato perante os processos, algo por vezes descumprido por alguns ministros.

De positivo do código dos Estados Unidos, ele destaca prescrições normativas sobre a utilização de subvenções orçamentárias para viagens e a limitação de comentários públicos sobre processos pendentes.

Para o especialista, um STF mais recatado quanto às manifestações de opinião de alguns de seus membros ajudaria a preservar a própria instituição, colocada na berlinda por causa do excesso de pronunciamentos.

Sampaio considera que a criação de um código para os ministros não seja primordial, uma vez que o Brasil já conta com um regramento ético voltado para toda a magistratura.

“Leis nós já temos. Não é mais um código de ética que vai fazer as coisas funcionarem. O que muda o cenário é o ânimo de aplicação das normas existentes”, afirma.

Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da USP (Universidade de São Paulo), afirma que já há no Brasil muitas normas similares àquelas presentes no código de conduta americano.

“O que não é similar é o STF considerar que não se aplica a ele as normas de ética judicial produzidas pelo Conselho Nacional de Justiça e até mesmo algumas das normas presentes na Lei Orgânica da Magistratura. O STF tem uma postura soberba ao dizer que, como sua autoridade prevalece sobre o CNJ, resoluções do conselho não se aplicam a ele”, afirma.

Segundo o especialista, a conduta de parte dos ministros comprova que alguns deles desrespeitam noções de imparcialidade, conflito de interesse e discrição.

O problema, portanto, não seria a falta de um código de conduta, mas o fato de os ministros ignorarem princípios da ética judicial já delimitados no país.

Ele lembra que o CNJ rejeitou, em setembro, uma resolução para disciplinar o comportamento dos juízes em eventos patrocinados, dentre outras medidas de controle e transparência.

“Mesmo que essa norma tivesse sido aprovada, já se tinha consciência de que ela não se aplicaria aos ministros do STF, uma vez que teria sido aprovada pelo CNJ. Entretanto, ela poderia ser uma forma de constrangimento”, diz

NORMAS DE CONDUTA DA SUPREMA CORTE DOS EUA E NAS LEIS BRASILEIRAS

Nos Estados Unidos

Ministros não devem permitir que relações familiares, sociais, políticas e financeiras influenciem a conduta profissional;

Não devem ser influenciados por interesse partidário, clamor público ou receio de críticas;

Não podem fazer comentários públicos sobre matérias pendentes;

Não devem falar em eventos ligados a partidos políticos, que promovam um produto ou serviço comercial ou que sejam organizados por grupo com interesse financeiro substancial no resultado de um caso tramitando no tribunal;

Precisam cumprir restrições quanto à aceitação de presentes;

Podem aceitar remuneração razoável e reembolso de despesas por atividades permitidas, se a fonte dos pagamentos não parecer influenciar suas funções oficiais ou, de outra forma, parecer imprópria.

No Brasil

É vedado aos magistrados se manifestarem sobre processo pendente de julgamento;

Devem manter conduta irrepreensível na vida pública e particular;

Não devem exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de economia mista, exceto como acionista ou quotista;

É vedado que exerçam cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração;

Não podem se dedicar à atividade político-partidária;

É vedado receberem, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei.

ANA GABRIELA OLIVEIRA LIMA / Folhapress

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