Chile deve rejeitar nova Constituição e frear avanço da ultradireita

SANTIAGO, SP (FOLHAPRESS) – Com 54% das urnas apuradas, os chilenos devem rejeitar pela segunda vez a proposta de uma nova Constituição e frear o avanço da ultradireita no país: 55% da população votou contra e 45%, a favor do texto consolidado por essa força política nos últimos meses, em referendo realizado neste domingo (17).

Depois de quatro anos de discussão, a população finalmente deve enterrar a possibilidade de revisar a Carta Magna liberal herdada do regime do ditador Augusto Pinochet, escrita em 1980. Simbolicamente, o resultado também é uma espécie de vitória às avessas do presidente de esquerda, Gabriel Boric.

Ele foi eleito em 2021 após ter pressionado seu antecessor de direita, Sebastián Piñera, a dar início ao processo constitucional. Depois, porém, viu uma primeira versão considerada bastante progressista do texto ser rejeitada em 2022. Agora, ganhou um respiro com a recusa da população à segunda versão mais conservadora.

“O resultado significa uma derrota dos republicanos [liderados pelo ex-presidenciável José Antonio Kast], coloca a direita tradicional em primeiro plano e fortalece a candidatura presidencial de Evelyn Mathei para 2025”, diz o cientista político Gabriel Gaspar, ex-embaixador e ex-subsecretário de Defesa de Boric.

Ele se refere à popular subprefeita de Providência, região de classe média alta na capital Santiago. O governo, avalia, “conseguiu um alívio parcial, mas ainda não está claro se poderá recuperar a agenda nacional”. “Se a proposta da direita tivesse triunfado, Boric teria ficado enfraquecido pelo resto de seu mandato”, afirma.

Nos colégios eleitorais, durante o dia, o clima era de que a Constituição atual é “a menos pior”.

“Votei contra. Prefiro ficar com a Constituição ruim de Pinochet do que com a pior de José Antonio Kast”, dizia a designer Antonieta Fuentes, 34, do lado de fora do Estádio Nacional de Santiago, lugar simbólico por ter sido usado como centro de detenção e tortura a opositores durante a ditadura.

O aborto foi um dos temas que dividiu a população. “Nos custou muito conseguir avançar em liberar o aborto [em casos de estupro, má-formação do bebê e risco para a mãe]. Aprovar essa Constituição seria um grande retrocesso”, afirmava ela, usando um argumento repetido por outros eleitores.

O novo texto abria brecha dificultar o procedimento ao adicionar um conceito chamado “objeção de consciência” –o direito de uma pessoa a negar práticas profissionais que sejam contrárias às suas convicções.

JÚLIA BARBON / Folhapress

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