SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Todos os anos, quando o Natal e o Réveillon se aproximam, Neila Pinto de Campos, 45, olha para o marido Marcelo Santiago, 49, e repete sempre a mesma frase: “Eu não aguento mais”.
A chegada de dezembro e a perspectiva do final de ano sinalizam o período de uma jornada de trabalho que vai durar mais de 14 horas e a deixar tensa. Neila e Marcelo vivem do comércio na praia de Maitinga em Bertioga, no litoral norte de São Paulo.
Será cansativo, estressante, mas fundamental para a vida financeira da família. O que arrecadam no auge da temporada de férias vai sustentá-los até julho seguinte.
“Não é só por mim. Eu vejo pelos outros [comerciantes da praia]. A gente sabe que, quando chegar junho, já estaremos apertados [de dinheiro]. O trabalho é nessas semanas ganhar um pouquinho, guardar e depois rezar para fazer sol e ter movimento nos fins de semana seguintes”, explica.
A experiência de 15 anos nessa vida faz com que ela saiba como agir. Arrecada o dinheiro já com tudo anotado sobre o que vai fazer com o lucro. Quando acaba a temporada, é ir ao supermercado e fazer a maior compra possível para se manter pelos meses que virão.
Por pouco mais de uma década, Neila e o marido alugaram cadeiras de praia e guarda-sóis na Riviera de São Lourenço, distrito de Bertioga conhecido pelos prédios e casas de alto padrão frequentados por endinheirados. Em um processo que até hoje ela não se conforma, perdeu a licença e o casal passou a trabalhar com um carrinho de comidas e bebidas em Maitinga.
Apesar de reconhecer que era mais sossegado na locação, o princípio era o mesmo de hoje em dia: usar o final de dezembro e parte de janeiro para garantir boa parte do ano seguinte.
E nisso Neila pensa em tudo o que a praia lhe proporcionou, especialmente na criação dos filhos Maurício, 24, e Marcelinho, 15. O caçula já é o barman da barraca. O mais velho se formou em radiologia e, durante parte do curso, também trabalhava com os pais. Eles o ajudaram a pagar parte das mensalidades.
“Nossos filhos foram criados com nosso trabalho na praia e com o que conseguimos juntar por causa desse período de verão, final de ano e janeiro. Hoje é mais incerto. Na Riviera, eu já sabia mais ou menos quanto iríamos ganhar na temporada. Com o carrinho de comida e bebida, é outra modalidade. Não dá para saber com certeza”, completa Neila.
Isso faz com que a organização seja ainda mais importante.
A realidade de Neila é a mesma de outros autônomos que trabalham na praia. A resistência ao sol inclemente, ter de estar sempre de bom humor quando o cliente não está, as tempestades repentinas e que logo vão embora.
“Tem tudo isso, sim. Mas eu não sei se gostaria de estar em um escritório, das 8 às 6 da tarde, sabe? Não é para mim. Depende do meu esforço e o final de ano e começo de janeiro são dias muito importantes mesmo. É quando eu ganho mais dinheiro”, diz Adalberto Silva, 47, que vende água, refrigerantes e cervejas em Praia Grande, especialmente na Praia da Aviação.
Tal qual Neila e o marido, ele também trocou de local com o passar do tempo. Ficou cinco anos em São Vicente, antes de se mudar para Praia Grande.
“A cidade aqui tem se desenvolvido e está mais concorrida. Vendo mais”, completa.
Com o dinheiro que sobrar neste ano (“consigo me manter até bem depois do Carnaval”, afirma) ele quer ir visitar os pais em Mato Grosso.
Não é o mesmo plano de Neila, que já usou os tempos de bonança da temporada de verão para fazer reformas na casa.
Hoje em dia, o que ela pensa somente é passar pelo verão preparando as frituras, enquanto o marido faz os peixes. Os coquetéis e outras bebidas ficarão com Marcelinho, que segue os passos do irmão, Maurício.
“O carrinho de comes bebes é trabalhoso. Começamos a colocar as coisas no automóvel às 6 horas. Às 6h30 já estamos na praia. Saímos quando está escurecendo, umas 20 horas. A gente fecha tudo, recolhe as coisas, limpa e vai ao mercado comprar produtos. Depois de deixar tudo ajeitado, já são duas da manhã”, diz ela, constatando que serão quatro horas de sono.
São semanas de tensão, Nelia constata. Porque pode haver problema com funcionários contratados para aquele curto período, clientes, chuva forte, aquele vento “que destrói tudo” e os obrigam a parar por algum tempo antes de recomeçar do zero.
“Eu começo a ficar nervosa, quero recolher tudo e ir embora. Eu te falo que meu maior sonho é que o meu marido arrume alguma coisa para fazer fora da praia”, desabafa.
Mas Nelia pensa que está prestes a entrar no momento mais lucrativo do ano e em tudo que já conseguiu por causa desse período entre dezembro e janeiro. Torna-se menos radical.
“Eu gosto de trabalhar na praia, na verdade.”
Isso até dezembro de 2024 quando vai acordar e repetir a Marcelo que não aguenta mais.
ALEX SABINO / Folhapress