Pauta de costumes de bolsonaristas faz barulho, mas pouco avança na Câmara

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Neste primeiro ano do terceiro mandato de Lula (PT), a oposição bolsonarista conseguiu aprovar projetos da chamada pauta de costumes e fazer algum barulho em comissões da Câmara em que tem maioria, mas quase nada chegou a avançar a ponto de chegar ao plenário.

Em suma, o cenário, nesse sentido, permanece o mesmo da gestão anterior (2019-2022), ocasião em que a pauta não vingou no Congresso apesar da perspectiva de que isso pudesse ocorrer tendo em vista a onda de direita que elegeu Jair Bolsonaro (PL) e um batalhão de bolsonaristas para o Legislativo.

A explicação para isso igualmente continua a mesma: esquerda e bolsonarismo, isolados, são minoria na Câmara, controlando cada um pouco mais de 100 dos 513 deputados. O centrão e os demais partidos de centro e de direita, que formam a atual maioria, não demonstraram nem sob Bolsonaro nem sob Lula interesse em levar adiante esses projetos.

Integram a chamada pauta de costumes temas ligados à comunidade LGBTQIA+ e projetos relativos a aborto, drogas, religião e educação, entre outros.

O maior barulho nesse sentido ocorreu no colegiado de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara, uma das 30 comissões permanentes da Casa (as comissões são, em tese, o primeiro passo da tramitação de um projeto no Legislativo).

O projeto de lei que proíbe a possibilidade de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo no Brasil foi aprovado em 10 de outubro na comissão, após longas semanas de discussões e protestos contra a medida.

Nesse período, parlamentares evangélicos patrocinaram uma série de manifestações homofóbicas, como Pastor Isidório (Avante-BA) —”homem mesmo cortando a binga não vai ser mulher”— e o relator, Pastor Eurico (PL-PE), que, além de fazer ligações entre a homossexualidade e “aberrações”, disse que a união homoafetiva é considerada um impedimento para entrar no “reino dos céus”.

O projeto, entretanto, permanece desde então parado, sem indicação de relator na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, que é controlada pela esquerda.

Após o projeto sobre o casamento homoafetivo, a comissão de Previdência e Família aprovou no dia 21 de dezembro o projeto de lei que proíbe o registro de união poliafetiva, formada por mais de dois conviventes.

O texto também tem que passar na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), que analisa a constitucionalidade e técnica legislativa das medidas e é a ultima etapa da tramitação nas comissões.

Além do colegiado de Previdência e Família, o bolsonarismo tem maioria na comissão de Segurança Pública, outra que aprovou vários projetos e requerimentos da pauta de costumes.

Um dos principais visava sustar o decreto de Lula que suspendeu o registro de arma de fogo de uso restrito para CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) e para particulares e que também limitou a quantidade de armas e munições de uso permitido.

O texto foi aprovado na comissão de Segurança no final de abril e, depois, encaminhado para a CCJ, onde somente oito meses depois houve a designação de um relator, o petista Alencar Santana (SP), em 13 de dezembro.

A CCJ é presidida pelo deputado Rui Falcão (SP), do PT, mas parlamentares de direita afirmam não ter havido direcionamento ideológico em sua gestão.

O posto será ocupado no ano que vem por outro partido. O PL de Bolsonaro reivindica a vaga —a mais cotada até o momento é a deputada Caroline de Toni (PL-SC). Alguns veem aí a possibilidade de a pauta de costumes bolsonarista avançar.

“Não tenho a menor dúvida [de que os rumos vão mudar]. Acredito sim, trabalhamos para isso”, diz o deputado Fernando Rodolfo (PL-PE), presidente da comissão de Previdência e Família.

Integrante atuante da comissão de Segurança, o deputado Cabo Gilberto (PL-PB) não nutre a mesma expectativa.

“Vai melhorar um pouco. Até porque o presidente lá [Rui Falcão] é bastante justo. A questão é a maioria, quando vai à votação a gente perde”, afirma.

“No Parlamento, ganha quem tem a maioria. Os partidos de centro é que têm a maioria, não o governo. Lá na comissão [de Segurança] a gente aprova tudo e, nas outras comissões, a gente sente a dificuldade. O governo está com a caneta, meu amigo, só nesses dias teve R$ 10 bilhões de Orçamento, com uma caneta dessa aí não tem muito o que fazer.”

Minoria nas duas comissões, o deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) diz que procura fazer um trabalho pedagógico, de argumentação, de diálogo e de respeito em um ambiente que lhe é bastante antagônico.

“O trabalho nessas duas comissões é bastante desafiador porque são comissões controladas não pela direita, mas pela extrema direita.”

Na Comissão de Segurança Pública, prossegue, diz vislumbrar uma mescla de um lobby da indústria armamentista com o bolsonarismo raiz “que só exige encarceramento em massa, letalidade policial e aposta na violência como forma de controlar a violência”.

Na Previdência e Família, “pautas que carregam muitas vezes preconceito, discriminação e ódio contra mulheres, contra a diversidade de gênero e de sexualidade”.

Mesmo que o bolsonarismo comandando a CCJ represente um novo assopro na pauta de costumes da direita, é fato que o centrão e os partidos de centro e de direita hoje mais alinhados a Lula não têm demonstrado interesse em dar fôlego a essa agenda.

Um dos poucos temas que chegou ao plenário acabou sendo derrotado. No último dia 6, a Câmara rejeitou dar regime de urgência ao projeto da comissão de Segurança contra o decreto anti-ar mas de Lula, o mesmo que ficou meses estacionado na CCJ.

Eram necessários 257 votos, mas os apoiadores da medida reuniram 254, 3 a menos. Caso a urgência tivesse sido aprovada, o projeto poderia ser votado imediatamente no plenário, sem necessidade de análise pela CCJ.

Apesar de a pauta não andar, é comum deputados conservadores conseguirem vitórias no plenário alterando pontos de projetos em votação.

Na terça-feira (19), por exemplo, integrantes das bancadas ruralista, evangélica e da bala inseriram um trecho na lei que trata de Orçamento para estabelecer que o governo fica impedido de incentivar e financiar atos como invasão de terra, cirurgias em crianças para mudança de sexo, realização de abortos não previstos em lei e outras ações.

Os governistas dizem que a medida é inócua e que, de qualquer forma, Lula irá vetá-la.

RANIER BRAGON / Folhapress

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