por Lívia Nolla
Se não tivesse nos deixado órfãos do seu talento e genialidade em agosto de 2017, quando tinha 66 anos, Luiz Melodia – um dos maiores cantores e compositores da nossa música popular brasileira – estaria completando 73 anos neste 07 de janeiro de 2024.
E, para homenagear este grande artista, que traz Melodia até no nome, nós preparamos uma matéria especial sobre sua vida e obra.
O início de tudo
Também instrumentista e ator, Melô nasceu Luiz Carlos dos Santos, no Morro de São Carlos – no bairro do Estácio, no Rio de Janeiro – em 7 de janeiro de 1951, filho do funcionário público, sambista e compositor Oswaldo Melodia, de quem herdou o nome artístico, e de Eurídice Rosa de Oliveira, costureira.
Ainda garoto, descobriu a música ao ver o pai tocando em casa: “Fui pegando a viola dele, tirando uns acordes, observando. Ele não deixava eu pegar a viola de quatro cordas, que era uma relíquia, muito bonita, onde eu aprendi a tocar umas coisas.“
Luiz Melodia começou sua carreira musical em 1963, ao lado do cantor Mizinho, ao mesmo tempo em que trabalhava como tipógrafo, vendedor, caixeiro e músico em bares noturnos, e – no ano seguinte – formou o conjunto musical Os Instantâneos, com Mizinho e um grupo de amigos, que depois passou a chamar-se Os Filhos do Sol.
O artista carioca passou a adolescência compondo e tocando sucessos da Jovem Guarda e da Bossa Nova com o grupo e essa experiência – juntamente com a atmosfera em que vivia – dos tradicionais sambas dos morros do Rio de Janeiro – resultaram em uma mescla de influências que renderam a Luiz Melodia um estilo único.
Tudo isso, somado ao seu timbre marcante e sua voz aveludada, sua irreverência e sensibilidade, e influências também do jazz, do soul, do blues e do rock, fizeram de Melô um dos maiores nomes da nossa música popular brasileira.
Gal Costa e a projeção nacional
Logo, Luiz Melodia acabou por chamar atenção de um assíduo frequentador do Morro do Estácio, o poeta Waly Salomão, e de Torquato Neto, que o assistiram tocando em um bar em uma noite qualquer e ficaram impressionados com seu talento.
Por meio de Waly, Melodia foi apresentado a Gal Costa – que estava preparando repertório para o seu antológico show Fa-Tal – dirigido por Waly e considerado um dos shows mais importantes da música brasileira. Gal resolveu incluir a canção Pérola Negra, de Melodia, no show, que acabou virando um disco ao vivo, Fa-Tal – Gal a Todo Vapor, lançado em 1971 e considerado por muitos críticos como o mais importante de sua carreira.
A partir desta gravação, Luiz Melodia – que se tornou um dos compositores prediletos de Gal Costa – passou a ter reconhecimento nacional. Pouco depois, em 1972, foi a vez de sua composição Estácio, Holly Estácio, ganhar uma interpretação na voz de Maria Bethânia, no disco Drama – Anjo Exterminado, que também faz imenso sucesso, projetando ainda mais o nome de Melodia. No mesmo ano, Ângela Maria também gravou Pérola Negra e Jards Macalé gravou sua composição Farrapo Humano.
Os primeiros álbuns
No ano seguinte, 1973, foi a vez de Luiz Melodia lançar o seu primeiro álbum, o antológico Pérola Negra. Com 10 canções solo autorais, o disco já traz grandes sucessos do artista, como: Estácio, Eu e Você; Vale Quanto Pesa (que também ganhou uma versão de muito sucesso em 1991, no Acústico Barão Vermelho); Estácio, Holy Estácio; Magrelinha; Farrapo Humano (que em 1998 ganhou uma bela versão em parceria com Samuel Rosa e o Skank); e a faixa-título.
O disco foi incluído – em 2007 – na posição 32 na Lista dos 100 maiores discos da música brasileira pela revista Rolling Stone Brasil.
Em 1975, Luiz Melodia foi finalista do Abertura – Festival da Nova Música, da TV Globo, com sua canção Ébano, que depois tornou-se um dos maiores clássicos do seu repertório.
Sua carreira acabou por consolidar-se de vez no disco seguinte, Maravilhas Contemporâneas, de 1976, que trouxe outros sucessos como: Congênito; Juventude Transviada (clássico que foi incluído na trilha sonora da novela Pecado Capital, da Rede Globo e, depois, ganhou versões depois de grandes nomes como Gal Costa, Elza Soares, Emílio Santiago e uma avassaladora gravação ao vivo de Melodia em parceria com Cássia Eller); Amor; Memórias Modestas; Quando o Carnaval Chegou; e Questão de Posse, todas composições solo de Melodia.
Em 1977, Melô casou-se com a cantora, compositora e produtora Jane Reis, com quem ficou até o fim de sua vida e com quem teve seu único filho, o hoje rapper Mahal Reis, em 1980.
inda em 77, Luiz Melodia e a grande atriz e cantora Zezé Motta formaram uma dupla de imenso sucesso no Projeto Pixinguinha, evento cultural que difundia a música popular brasileira em todo o país.
Em 1978, Melodia lançou o seu terceiro álbum – Mico de Circo – que conta com mais imensos sucessos: A Voz do Morro (de Zé Keti); Presente Cotidiano (dele mesmo, que havia sido gravada por Gal Costa em seu disco Índia, de 1973); e o super hit Fadas (regravado por Elza Soares em 2002, também com muito sucesso).
Mais e mais sucessos
O disco Nós, de 1980, trouxe um grande sucesso na voz de Luiz Melodia, a canção Negro Gato, de Getúlio Cortes. Outras faixas que se destacam são Surra de Chicote e Hoje E Amanhã Não Saio de Casa, composições do próprio Melô. Já do álbum Felino, de 1983, destacam-se: O Sangue Não Nega (parceria com Ricardo Augusto) e a faixa-título, de sua autoria.
Em Claro, álbum de 1987, destaque para Saco Cheio (de Tony Marinho); Seja Amar (parceria com Ricardo Augusto), Que Que é Isso (dele mesmo) e Que Loucura (de Sérgio Sampaio). Ainda em 1987, o artista apresentou-se em Chateauvallon, na França e em Berna, Suíça.
No disco seguinte, Pintando o Sete – de 1991 – vários grandes sucessos na voz de Melodia: Bola de Cristal (parceria dele com Beto Marques); Maura (composição do seu pai, Oswaldo Melodia); Mistério do Planeta (clássico de Moraes Moreira e Luiz Galvão); Codinome Beija-Flor (clássico de Cazuza, Ezequiel Neves e Reinaldo Arias, que – na voz de Melodia – entrou para a trilha sonora de O Dono do Mundo, novela da TV Globo deste mesmo ano); Gerações (só de Melodia); Cara a Cara (parceria com Renato Piau, com participação do Cidade Negra); e Poeta do Morro (parceria com Luís Carlos e Ruizinho).
Em 1992, Luiz Melodia participou do III Festival de Música de Folcalquier, na França.
O álbum Relíquias, de 1995, trouxe regravações de sucessos já consagrados de sua carreira, como Dores de Amores (gravada em parceria com Zezé Motta, em 1978) e Só Assumo Só; músicas inéditas, como Paixão, Jeito Danado e Salve Linda Canção Sem Esperança (todas autorais); e também clássicos de outros compositores, como Com Muito Amor e Carinho (de Eduardo Araújo e Chil Deberto).
O disco 14 Quilates, de 1997, trouxe – além de Ébano, outros sucessos em sua voz, como: Sub-Anormal e Pra Que (parcerias com Ricardo Augusto); Quase Fui Lhe Procurar (de Getúlio Cortes); Cruel (de Sérgio Sampaio); e Ser Boêmio (de seu pai, Oswaldo Melodia).
Em 1999, o disco Luiz Melodia: Acústico Ao Vivo, gravado no Teatro Rival, no Rio de Janeiro, trouxe vários grandes sucessos de sua carreira em versão acústica, além de músicas de outros compositores, com grande destaque para o clássico de Zé Kéti e Hortêncio Rocha: Diz Que Fui Por Aí, que fez muito sucesso em sua voz.
Anos 2000
Em 2001, Luiz Melodia lançou o álbum Retrato do Artista Quando Coisa, com arranjos de cordas e sopros, produzido pelo guitarrista Perinho Santana, com arranjos sofisticados de sopros e cordas na maioria das faixas. No repertório, o artista incluiu composições autorais como: Feeling da Música (parceria com Ricardo Augusto e Hyldon); Gotas de Saudade (com Perinho Santana); Lorena (com Renato Piau e seu filho Mahal, que participou da gravação da faixa); e Quizumba (parceria com Cara Feia).
O CD e DVD Luiz Melodia Ao Vivo Convida, de 2002, contou com a participação especial de Zeca Pagodinho, Zezé Motta, Elza Soares, Luciana Mello, Gal Costa, do Coro Da Escola de Música da Rocinha e de seu filho Mahal. Entre as faixas, grandes hits consagrados de sua carreira e também a regravação dos clássicos: Palhaço (de Nelson Cavaquinho, Osvaldo Martins e Washington Fernandes) e O Caderninho (Olmir Stocker ”Alemão’‘).
Em 2004, Luiz Melodia participou do Festival de Jazz de Montreux, onde se apresentou no Auditório Stravinski, palco principal do evento.
Em 2007, sua grande homenagem ao samba, Estação Melodia, virou CD, DVD e Especial MTV Ao Vivo, trazendo Melodia interpretando sambas de várias épocas e gerações com maestria e imprimindo sua forte assinatura. Entre os clássicos: Tive Sim (de Cartola); Contrastes (de Ismael Silva); Eu Agora Sou Feliz (de Jamelão e Mestre Gato); Linda Tereza (de seu pai, Oswaldo Melodia); e Recado Que a Maria Mandou (Haroldo Lobo e Wilson Batista); além de uma composição sua em parceria com Renato Piauí: Nós Dois.
Zerima foi o 13º álbum de estúdio de Luiz Melodia, lançado em 2014, depois de 13 anos sem um disco de inéditas. Nele, o artista apresenta 14 faixas, sendo 11 composições solo suas – como Cheia de Graça e Dor de Carnaval (que conta com a participação da cantora e compositora paulistana Céu) – e três regravações: Nova Era (de Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho); Leros e Leros e Boleros (de Sérgio Sampaio); e Maracangalha (de Dorival Caymmi, com a participação do filho de Melodia, Mahal Reis).
Zerima fez tanto sucesso que ganhou uma versão ao vivo, gravada em 2016, durante a turnê do disco, no Teatro da Universidade Federal Fluminense, e lançada postumamente em 2018.
Despedida e homenagens póstumas
Luiz Melodia faleceu na madrugada do dia 4 de agosto de 2017, ao 66 anos, em decorrência do agravamento de um mieloma múltiplo, um tipo raro de câncer que acomete a medula óssea, nos deixando órfãos, muito cedo, do seu talento, carisma e genialidade.
Em 2018, também foi lançado postumamente o single digital Felicidade Agora, uma composição inédita de Luiz Melodia em parceria com Ricardo Augusto e Paulinho Andrade.
Em 2018, a cantora e cineasta Karla Sabah finalizou o documentário Luiz Melodia – O Negro Gato, com cenas do cotidiano do cantor e a participação de vários amigos, tais como Waly Salomão e Gal Costa. No ano seguinte, em 2019, o diretor Marco Abujamra e a produtora Mariana Marinho, da Companhia Cinematográfica Dona Rosa Filmes, deram início às filmagens do documentário Todas As Melodias, sobre a vida e a obra do cantor e compositor, com trilha sonora integrada por regravações e novas versões de algumas de suas composições por Zezé Motta, Céu e Arnaldo Antunes.
No ano de 2020, foi lançada pela Editora Tordesilhas a biografia Meu Nome é Ébano – A vida e a obra de Luiz Melodia, escrita pelo jornalista Toninho Vaz, com contracapa escrita por Jards Macalé.
Viva, para sempre, Luiz Melodia!
Acervo MPB e Playlist Especial
E, para você conhecer mais detalhes sobre a vida e a obra do aniversariante do dia, confira o Acervo MPB Luiz Melodia, um episódio especial da nossa série exclusiva Novabrasil de áudio-biografias de grandes nomes da nossa música.
Aproveitem também essa voz de veludo de timbre marcante, na Playlist Especial que preparamos, com canções que vão contando, uma a uma, a trajetória de Luiz Melodia na ordem cronológica, desde Pérola Negra, até a sua partida repentina deste plano.