Entenda o porque o estádio do Guarani está presente no documentário sobre a tragédia no Ninho do Urubu

João Pedro Donadel
João Pedro Donadel
Jornalista formado pela UFMT - Araguaia. Editor do Balanço Geral Manhã. Apaixonado por esportes.
Entenda o porque o estádio do Guarani está presente no documentário sobre a tragédia no Ninho do Urubu
Foto: Divulgação Netflix © 2024

O Brinco de Ouro da Princesa, estádio do Guarani Futebol Clube apareceu em uma das capas da página inicial da série documental “Ninho: Futebol e Tragédia”, que estreou no dia 14 de fevereiro, na Netflix.

A produção conta a história do trágico incêndio que vitimou fatalmente 10 jogadores da base do Flamengo, em fevereiro de 2019.

Mas por que o Brinco de Ouro está na série? Para quem assiste, já no início do primeiro episódio se descobre: um dos sobreviventes, Filipe Chrysman, atuava no Guarani quando a produção gravou seu depoimento. Inclusive sua entrevista foi conduzida nas arquibancadas do Brinco.

Print Ninho
Um dia antes da estreia, ao pesquisar a palavra “Ninho” na Netflix, o Brinco de Ouro estava em uma das capas. Imagem essa que após repercussão nas redes sociais, não foi mais vista.

O jogador comentou sobre o contato para a realização das entrevistas e também sobre o dia da gravação. “Até onde eu sei o Guarani aceitou fazer o documentário sem êxito. Teve acompanhamento do Victor Rede, assessor de imprensa na época do Guarani. Ele nos ajudou bastante. Ele participou de algumas filmagens, mas acabou não saindo no documentário”, disse Filipe.

Durante os três episódios da produção, as imagens exibidas do estádio se limitaram aos degraus onde a conversa com o jogador, que fez parte do elenco bugrino profissional no ano de 2023, aconteceu.

Filipe Chrysman no Guarani
Foto: Divulgação/Thomaz Marostegan/Guarani

Outra dúvida levantada é: qual o motivo da imagem aérea do estádio do Bugre estar na capa da série documental sobre uma tragédia acontecida no Centro de Treinamento do Flamengo, no Rio de Janeiro? O assunto inclusive virou tema de discussão nas redes sociais, onde torcedores se questionaram o porquê do uso.

O diretor do documentário, Pedro Asbeg, comentou que a sua função é decidir o que vai na exibição. “Em relação à divulgação e esses assuntos (capa, sinopse) cabe à equipe da Netflix.

Questionada, a assessoria da Netflix se limitou a dizer que não comentava processos internos.

O Guarani foi contatado por meio de sua assessoria, mas, até o fechamento dessa reportagem, não se posicionou.

A produção

“Ninho: Futebol e Tragédia” é uma série documental que foi ao ar no dia 14 de fevereiro na Netflix. Com três episódios, a produção dirigida por Asbeg conta com depoimentos de familiares das vítimas, o depoimento de um dos sobreviventes, o Filipe Chrysman, e também outros atores envolvidos, como jornalistas que, na época, além de cobrir a tragédia, também seguiram na investigação, que chegou a e-mails mostrando que a direção do Flamengo tinha ciência sobre os riscos de se manter o contêiner que acabou sendo incendiado na maneira em que estava.

Sobre o contato com o Guarani, o diretor Pedro Asbeg revelou que Campinas era uma espécie de “hub” para falar com sobreviventes que ele havia conseguido contato. “Falamos com meninos que na época estavam no RB Bragantino, no XV de Piracicaba, em Franca. Então partimos eu e a Luana Rocha, uma das roteiristas, para Campinas”, explicou.

E foi na cidade que Pedro entrevistou um dos principais personagens para o documentário: Filipe. O jogador estava no Guarani desde o meio do ano de 2021, quando estava no elenco do sub-20. Ele ficou até o ano de 2023.

“O Filipão [como Pedro o chama] é um menino incrível. Nós conversamos com ele por mais de ano até ele aceitar falar com a gente. Ele deu um depoimento muito sincero, é um menino de ouro”, comentou Asbeg.

“Um assessor esteve com a gente em todo o processo. Era delicado, já tínhamos conversado e ele já sabia que falaríamos da tragédia, do dia em questão”, seguiu comentando sobre o contato com o jogador e também sobre a participação do clube bugrino no documentário.

O documentário recebeu algumas críticas no sentido de que seria feito para “limpar a barra do Flamengo”, porém, quem assiste com os olhos bem abertos, sabe que a produção não foi para esse lado.

O incêndio
O incêndio atingiu o contêiner que era usado como alojamento dos jogadores da base. Eles dormiam quando as chamas começaram Foto: Divulgação Netflix © 2024

“Tem muita gente que usa essa tragédia para alimentar rivalidade, eu conheço as famílias, sei como elas estavam na expectativa sobre a produção. Todas as críticas foram positivas em relação a série, estou muito feliz com o fim de um processo de três anos, é uma mistura de sentimentos, alivio felicidade orgulho expectativa”, disse Asbeg.

Por fim, o diretor também revelou que espera que essa sua produção tenha um impacto nas pessoas e principalmente na Justiça.

“Sempre fazemos um trabalho focando em fazer a diferença. Seja em um torcedor do flamengo que tinha um ponto de vista crítico, ou torcedor de outro time que pare de usar a situação para provocação, ou principalmente acelerar a Justiça e descobrirmos quem foi responsável pelas mortes. Já se passaram 5 anos e a gente precisa saber, as famílias precisam saber. Quero acreditar que ela servirá para isso”, finalizou.

Filipe em Campinas

O principal personagem da série documental “Ninho: Futebol e Tragédia” é Filipe Chrysman. O jogador é um dos sobreviventes do incêndio que atingiu um contêiner usado como dormitório para jogadores da base do Flamengo em 2019.

Seu depoimento fala desde momentos daquela semana (o incêndio acontece em uma quinta-feira, 8 de fevereiro), sobre a noite de sono, sobre os dias seguintes à tragédia, mas principalmente sobre o terror vivido na madrugada, quando o incêndio se iniciou.

Filipe concedeu sua entrevista na arquibancada do Brinco de Ouro da Princesa. Ele chegou à Campinas em 2021, com 19 anos. O jogador foi contratado para a base do Bugre. “Nos meus primeiros seis meses eu não fui muito utilizado. Demorei um tempinho para me adaptar ao time e a tudo na nova cidade”, contou Filipe. O Guarani e Campinas havia sido sua primeira experiência fora do Flamengo após a tragédia.

Na temporada de 2022, já adaptado, o atacante foi um dos destaques da equipe, o que o levou para o elenco profissional no final do ano. “Me disseram que eu só havia subido para treinar com os profissionais porque tinha dado algum erro sobre meu contrato, que eu não poderia jogar a Copinha em janeiro de 2023”, revelou.

Ele foi relacionado para alguns jogos do Paulistão de 2023 e fez sua estreia nos acréscimos do jogo contra o Botafogo de Ribeirão Preto.

Hoje no Central de Pernambuco, o jogador revela que continuar tentando ser jogador profissional depois do ocorrido no Ninho do Urubu não foi fácil. “Perdi a conta de quantos dias de dúvidas foram, mas no fim eu sempre virava a chave e tirava forças para continuar. Deus, minha família e pessoas que se importam comigo de verdade não me abandonaram nesse momento tão difícil da minha vida, sou bastante grato. Foi uma época em que entrei um pouco na depressão”, confessou.

Sobre esse último tópico, Filipe agradeceu também à profissionais que o ajudaram. “Na minha passagem pelo Guarani, no final de 2022 ou início de 2023 não me lembro bem, começou a ter acompanhamento psicológico feito por André Luís Aroni. Ele me ajudava em várias questões mesmo muita das vezes eu não querendo falar sobre [risos]. Meu acompanhamento especial foi esse como o de todos os outros, mas o André estava ali e tinha tempo para mim, o que importa” disse.

A depressão atingiu o jogador logo após a tragédia. Lá ele revela também que o Flamengo entrou em contato com psicólogos para acompanhar os sobreviventes da tragédia. “Tive uma ajuda boa também da Joseane, psicóloga na época.”

Filipe foi relutante ao participar do documentário. A equipe conversou com o jogador por mais de um ano até que ele aceitou a dar seu depoimento.

“Foi bem difícil, mas soube lidar bem com a situação. Eu não sabia de nada sobre o Flamengo ter recebido notificações, e que todas eram assinadas pela presidência. Notificações sobre irregularidades dentro do CT, e principalmente sobre o container que não estava autorizado a ser colocado ali naquele lugar. Na terça-feira [dois dias antes da tragédia] um dos ar-condicionado tinha dado problema, daí foram pessoas para consertar e colocaram ele de volta no lugar. O descaso pós tragédia que fizeram com as famílias dos que se foram foi repugnante, vergonhoso e muito triste. Enfim… hoje em dia abri meus olhos depois desse documentário e sei da situação em que nos colocaram.

A continuidade de Filipe no futebol depois de todo o ocorrido demonstra que o sonho de milhares de brasileiros é uma das coisas mais fortes que existem nesse país.

“Desde pequeno eu sonhava em ser jogador de futebol profissional. Continuo por mim, por minha família e pelos 10 que se foram. Acredito muito que tenho um propósito na minha vida, Deus não me acordou [no dia da tragédia] sem algum motivo”, finalizou.

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