SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Convidado pela Associação Comercial de São Paulo a palestrar para um grupo de políticos próximos ao MDB, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), contava para os colegas, nesta segunda-feira (22), a nova forma que seu estado encontrou para arrecadar bilhões de reais nos próximos anos: os mercados jurisdicionais de carbono.
Nesse modelo, os estados geram créditos de carbono a partir da variação positiva na taxa de desmatamento em relação a anos anteriores considerando todo o território, inclusive áreas privadas. Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 que deixou de ser emitida devido à queda no desmatamento.
“A redução de ferramentas que acabam gerando uma concorrência federativa vai cada vez mais necessitar que os estados possam ativar suas vocações que os diferenciam na criação de novas economias”, disse Barbalho ao responder uma pergunta sobre trecho da Reforma Tributária que dificulta incentivos fiscais estaduais.
Ouviam o governador, por exemplo, o ex-governador do Rio Grande do Sul Germano Rigotto, o ex-senador Heráclito Fortes e os deputados federais Baleia Rossi (MDB-SP) e Newton Cardoso Jr. (MDB-MG).
Hoje, esse modelo é estruturado principalmente pela Coalizão Leaf, que reúne 25 grandes empresas, como Amazon, Unilever e Nestlé, e quatro países desenvolvidos: Noruega, Reino Unido, Estados Unidos e Coreia do Sul. Esse grupo negocia com os estados a compra futura de créditos gerados até 2026.
Entre os estados amazônicos, Pará e Acre estão na frente das discussões com a coalizão.
O Pará pretende assinar o contrato de intenção de venda de um milhão de créditos no final deste semestre prazo ambicioso, segundo quem acompanha as discussões. Ao todo, Barbalho estima que até 2026 o estado vai gerar 153 milhões de créditos de carbono.
“O Pará está vendendo a US$ 15 o que a Costa Rica vendeu a US$ 10. Isso porque o sistema jurisdicional do Pará gera maior integridade do que o sistema jurisdicional operado na Costa Rica”, afirmou Barbalho na segunda. A Coalizão também negocia com Gana, Equador, Quênia, Vietnã e Nepal.
Se os 153 milhões de créditos forem vendidos por esse preço, o Pará poderá arrecadar quase US$ 2,3 bilhões (R$ 12 bi). A ideia do estado é que 40% desse valor vá para políticas ambientais. Os outros 60% serão repartidos entre comunidades indígenas, quilombolas e produtores rurais.
No final do ano passado, o Acre assinou com a Emergent, braço coordenador da coalizão, um termo que dá início às negociações da venda de 10 milhões de créditos gerados entre 2023 e 2026 para as empresas da coalizão. A Emergent atua como intermediadora entre os estados e as multinacionais, e o governo do Acre também espera assinar o contrato de venda até o final de junho.
As partes fixaram uma linha de base que considera a média anual de desmatamento entre 2018 e 2022 (no caso do Pará, é de 2017 a 2021). A partir dela, o estado fará a comparação da variação do desmatamento a cada ano. Caso se constate queda do desflorestamento, o governo estadual registra seus créditos em uma certificadora e conclui a venda para a Emergent.
Exemplo: se em 2024, o Acre constatar que emitiu 1 milhão toneladas a menos de carbono em relação à média anual entre 2018 e 2022, ele conseguirá vender até 1 milhão de créditos para Emergent naquele ano.
A venda de créditos jurisdicionais, porém, não é exclusiva para a coalizão. O próprio Acre tentou no ano passado vender créditos de carbono gerados entre 2005 e 2015 para uma empresa americana, mas o negócio emperrou. Além disso, apesar de negociar a venda de 10 milhões de créditos para as empresas da coalizão, o Acre estima que produzirá entre 30 e 50 milhões de créditos até 2027 o restante poderá ser vendido para outras companhias.
Já o Tocantins, que também tem seu mercado jurisdicional, vendeu no ano passado seus créditos para a suíça Mercuria, que não faz parte da Coalizão Leaf.
No negócio com a coalizão, os recursos só serão depositados na conta dos estados após geração dos créditos e transferência deles para as empresas. Ou seja, por mais que os estados anunciem a venda em junho, o dinheiro só deve cair, de forma escalonada, no meio do ano que vem tempo que se leva, geralmente, para a certificação e registro dos créditos. Os estados negociam um adiantamento de 10% dos recursos para poder viabilizar as políticas ambientais.
Mas muito pode acontecer nesse período, inclusive a judicialização do tema. Isso porque o Congresso debate desde o ano passado a viabilidade dos mercados jurisdicionais o tema foi inserido no projeto de lei que regula o mercado de carbono, hoje parado no Senado.
Em Brasília, os governadores precisarão enfrentar a influência do agronegócio, que teme que os mercados jurisdicionais impeçam o desenvolvimento de projetos de créditos de carbono em áreas privadas. Esse, aliás, foi um dos motivos que atrasaram a aprovação do PL na Câmara, no final de 2023 o texto aprovado na Casa define que aqueles produtores que quiserem desenvolver seus próprios projetos precisam avisar aos governos estaduais.
Segundo Nelson Ananias, coordenador de sustentabilidade da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), o agro vai pedir aos senadores para que tirem o mercado jurisdicional do projeto. “Há dúvidas da falta de clareza que esses mercados jurisdicionais apresentam e isso nos coloca contra esse processo”, diz.
Mas para quem defende os mercados jurisdicionais, a possível retirada do tema do PL não afetará a venda dos créditos dos estados. Isso porque, na visão deles, a falta de regulamentação não inviabiliza a existência desse mercado. O próprio governo federal, a favor da existência desse sistema, defende que o assunto seja tratado em outro projeto.
“O mercado jurisdicional nunca foi proibido. A tentativa de regular é para poder dar mais segurança aos investidores”, diz Leonardo Carvalho, presidente do Instituto de Mudanças Climáticas do Acre, técnico que está à frente das discussões pelo estado.
Mas Ananias, da CNA, rebate: “Como não é um mercado regulado, [a insegurança jurídica] cabe à negociação de quem compra e quem vende. Eles estão sujeitos a que isso não se realize, até por questão de contestação, inclusive judicial.”
Caso o mercado não vá para frente, seja por aumento da taxa de desmatamento ou problemas legais, o risco fica com todos os atores envolvidos.
“É um risco assumido por todos: estado que se comprometeu a vender com a Emergent e empresas que se comprometeram a comprar em detrimento de alocar para outros. Então, existe um risco inerente, mas, obviamente, a gente também está acompanhando os resultados, as políticas públicas, os compromissos institucionais, para a gente ver se, de fato, a expectativa é de resultados positivos”, diz Juliana Santiago, vice-presidente-executiva da Emergent.
PEDRO LOVISI / Folhapress