RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A maior concessão de serviços de água e esgoto do Brasil, no Rio de Janeiro, completa três anos essa semana com avanços na cobertura de água e esgoto, mas envolta em uma enxurrada de reclamações contra aumento das contas e pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.
As concessionárias discutem com o governo do estado ressarcimentos por perdas na pandemia, descumprimento de reajustes anuais e divergências nos indicadores dos editais dos leilões, entre outros, em pleitos que somam ao menos R$ 7 bilhões.
Em um desses processos, a maior concessionária, Águas do Rio, obteve um desconto de 27% na fatura de água comprada da estatal Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto) para equacionar as finanças enquanto o pleito é discutido.
O governo e as empresas, por outro lado, destacam avanços no atendimento de água e esgoto e na melhoria da qualidade da água em praias e lagoas da região metropolitana da capital, frutos de investimentos de cerca de R$ 3 bilhões já feitos após o leilão.
O primeiro leilão para a prestação de serviços em áreas antes atendidas pela Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto) completa três anos no próximo dia 30. Nele, o governo concedeu três blocos de cidades e bairros da capital por R$ 22,7 bilhões em bônus de outorga.
Outro leilão foi realizado em dezembro de 2021, com a concessão do bloco restante, por R$ 2,2 bilhões. Ao todo, os contratos preveem mais de R$ 30 bilhões em investimentos para universalizar os serviços de água e esgoto nas áreas atendidas.
Já no ano seguinte ao primeiro leilão, porém, começaram a chegar à Agenersa (Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro) pedidos das concessionárias para revisão do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.
Trata-se de um instrumento contratual para ajustar receitas e despesas de uma concessão em caso de frustração dos resultados. Os primeiros pedidos referem-se a perdas com a proibição de corte de fornecimento em caso de dívidas e descontos dados durante a pandemia.
Na sequência, vieram reclamações sobre perda de receita com falhas no fornecimento de água pela estatal Cedae e atrasos na concessão de reajuste da tarifa pela Agenersa. Depois, concessionárias passaram a questionar o edital da licitação.
Com a maior área de atendimento, a Águas do Rio, por exemplo, discute com o governo do estado divergências nos indicadores de coleta de esgoto e de subdimensionar o clientes beneficiários com a tarifa social.
O primeiro caso levaria a uma demanda maior por investimentos para atingir a universalização, diz a concessionária, que pede desconto das parcelas remanescentes de outorga a pagar. O segundo, a uma frustração de receita.
Os dados do edital são questionados também pelas outras duas concessionárias, a Iguá e a Rio+ Saneamento. A primeira diz que o índice de perda de água é maior do que o estimado em algumas regiões e a segunda, que verificou grande diferença entre o índice de cobertura de esgoto previsto e o real.
As empresas dizem que os pedidos de reavaliação são previstos em contrato e eram esperados, diante da complexidade dos indicadores usados na confecção do edital do leilão. E que os valores dos pleitos compreendem perdas em todo o período da concessão, caso as divergências não sejam resolvidas.
O presidente da Águas do Rio, Anselmo Leal, defende que discutir prematuramente os desequilíbrios é positivo, pois evita acúmulo de pleitos para o período de revisão dos termos contratuais, a cada cinco anos.
Os contratos preveem várias formas de ressarcimento, como o repasse das diferenças às tarifas, o aumento do prazo de concessão ou desconto nos valores remanescentes de outorga. O primeiro é a opção menos interessante para as empresas, que já lidam com questões relacionadas ao tema.
A enxurrada de reclamações e ações judiciais contra o aumento das contas de água após a concessão já motivou a assinatura de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) entre o Ministério Público do Rio de Janeiro e a Agenersa.
As concessionárias alegam que o aumento da conta resulta da troca de hidrômetros antigos, que já não mediam bem o consumo. “Os hidrômetros novos têm capacidade de previsão muito mais acertada, não foram submetidos a desgastes”, diz o diretor de Assuntos Corporativos da Iguá, Leonardo Soares.
“Conhecer o consumo real é um pouco impactante. Em diversos casos, a gente tem ajudado a fazer travessia, uma aclimatação, para que o consumidor não tenha um sobressalto”, afirma o presidente da Águas do Rio.
O termo de ajuste assinado pela Agenersa determina, entre outras coisas, que em casos de reclamações de aumento acima de 30% nas contas, a concessionária terá que cobrar a média dos últimos 12 meses e instalar outro hidrômetro, já periciado pela agência.
As empresas dizem que a troca dos hidrômetros é determinada por contrato e ajudará a atingir as metas de redução de perdas, que em alguns casos supera 50% da água injetada na rede.
Os contratos também estipulam metas de universalização dos serviços de água e esgoto, com pesados investimentos nos primeiros cinco anos de concessão. As metas passam a ser fiscalizadas três anos depois que as concessionárias assumiram os serviços.
O governo do estado diz que, nestes três primeiros anos de concessão, 827 mil pessoas foram beneficiadas com novas ligações ou regularização do abastecimento de água. Defende ainda os ganhos ambientais com os investimentos privados.
“Já observamos impactos nas praias de Paquetá e Flamengo [na capital], que se mostram próprias para banho”, afirma, em nota. Nesta sexta-feira (26), houve uma cerimônia de início das obras para despoluir o complexo lagunar da Barra e Jacarepaguá, um investimento de R$ 250 milhões feitos pela Iguá.
Questionado sobre os pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, o governo estadual respondeu apenas que “são avaliados pela Agenersa”.
A agência afirma, em nota, que os contratos são passíveis de ajuste e que os pleitos já feitos pelas empresas estão em análise. “Os investimentos previstos, até o momento, seguem o cronograma e estão dentro do prazo”, prossegue.
A Cedae diz que o desconto concedido à Águas do Rio foi temporário e deixa de valer este mês. A parcela da conta que deixou de ser paga, afirma o presidente da estatal, Aguinaldo Ballon, será ressarcida pela concessionária.
“Houve um posicionamento do conselho diretor da Agenersa reconhecendo o desequilíbrio [no contrato da Águas do Rio], que está sendo apurado. “A Cedae fez diferimento na conta de água para suportar inicialmente um pedaço dessa diferença contratual.”
Em outros processos, sobre falhas no abastecimento de água, a estatal diverge das concessionárias, dizendo que o contrato desconsidera paralisações que não são provocadas por falha operacional, mas sim por chuvas ou queda de energia.
NICOLA PAMPLONA / Folhapress