RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Sagitariana e entusiasta dos signos, Bruna Muratori, 31, aceita dar entrevista ao saber que a repórter do F5 é ariana. “Fogo com fogo combina”, diz, abrindo a guarda de quem mais desconfia do que confia no outro. Articulada e com a voz baixa, ela vai contando como é viver no McDonald’s do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, com a mãe Susane Paula Muratori Geremia, 64, há um mês e meio, pelas suas contas. “Tem sido tranquilo. Me sinto segura aqui, acolhida. E todos nos tratam bem”, diz.
A entrevista acontece em uma das mesas da lanchonete na hora do almoço desta segunda-feira (7), mas a dupla só estava com dois copos de café na bandeja. Funcionários e clientes cumprimentam mãe e filha rodeadas por três malas gigantes (com livros, roupas, raquetes de tênis, sapatos e acessórios), além de duas bolsas e uma mochila. De vez em quando, um jovem que fica na porta do supermercado ao lado aparece para perguntar se estava tudo bem ao saber da entrevista para um jornal.
“A gente estava aqui já fazia um tempinho e não tinha acontecido nada. De repente, virou toda essa celeuma, e sabe por quê? Preconceito por parte de alguns moradores”, aponta Bruna, que continua: “É duro para eles se ver como espelho e achar uma semelhança na questão de vestimenta ou da aparência, da estética, por exemplo. A gente não tem ‘perfil’ de morador de rua, né? Incomoda no sentido de que isso pode acontecer a qualquer um deles. Todo mundo tem problemas dentro de casa e ninguém está longe de passar pelo que nós agora estamos passando”.
Bruna, que sonha fazer faculdade de direito para ser investigadora policial, não conta o que levou as duas a morarem na rua e reclama das críticas que leu sobre a situação dela e da mãe em algumas reportagens. “As pessoas acham que eu queria ter a minha vida exposta assim? Queria ter fama ou visibilidade? Não. Ninguém quer morar na rua, e eu sinto falta de dormir em uma cama. O que aconteceu de fato só diz respeito a mim e à minha mãe”, comenta. “As pessoas precisam prestar muita atenção nos contratos de aluguéis, taxas abusivas, seguro”, interrompe Susane nas poucas vezes em que fala durante a entrevista, pouco antes de ser repreendida pela filha. “Mãe…”
Filha única, ela não se aprofunda ao falar dos avós, que moram no Rio Grande do Sul, nem do pai, que mora na Inglaterra. “Prefiro não especificar os locais”, diz. Também evita comentar sobre o antigo emprego e mencionar os amigos que deixam ela tomar banho todos os dias em suas casas. Diz que é fluente em inglês e espanhol e sabe o básico de francês, idiomas que aprendeu na escola. “Desculpa, não vou falar o nome do colégio em que estudei. Também não vou falar de religião nem de política”, antecipa.
Susane então avisa que Bruna tem procurado apartamento todos os dias nos bairros do Leblon, Ipanema e Copacabana, todos considerados nobres. “Gosto dessa região. Tenho a minha rotina por aqui, de acordar cedo, ir à praia e fazer tudo a pé. Já vi imóveis em outros bairros e, somando tudo, não compensa. Acredito que, daqui a duas semanas, estaremos na nossa nova casa”, explica Bruna, que negou estar respondendo a quatro ações de despejo só no Rio. “Não estou respondendo a nada. Não tenho nada, e as coisas que eu tive [de problema] estão todas arquivadas.”
Ela também nega que tem recebido ajuda financeira. “Apareceram algumas pessoas aqui dizendo que vão nos ajudar, mas eu fico bem desconfiada. Sou muito de sinais, sabe? A gente sabe que existem muitas pessoas boas, estamos tendo a prova disso. Mas existem pessoas ruins também, e a gente precisa ter muita cautela”, comenta Bruna, que não se ofende ao ser perguntada como faz para pagar as contas da alimentação. “Temos dinheiro no banco e uso cartão de débito para pagar tudo.”
A reportagem procurou a Secretaria de Assistência Social da Prefeitura do Rio para saber sobre a situação das duas mulheres. O órgão diz que enviou uma equipe de abordagem especializada duas vezes em março para saber informações da dupla.
“A coordenação e compareceu nos dias 10 e 16/03 ao local mencionado, onde encontraram as duas mulheres: mãe e filha. Apesar de terem oferecido vagas em abrigos e outros serviços disponíveis na rede de apoio socioassistencial, elas recusaram prontamente”, diz a nota enviada à reportagem.
Já a Polícia Militar informou que a situação não configurava crime.
ANA CORA LIMA / Folhapress