Renato Aragão, com mulher à frente da carreira, ganha musical e quer voltar à TV

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Renato Aragão se mistura a Didi Mocó durante a entrevista. Enquanto fala do musical “Adorável Trapalhão”, que reconta sua vida no teatro VillaLobos, em São Paulo, o humorista solta piadas e trejeitos que compõem a persona inconfundível da comédia brasileira.

“Pensei ‘ufa, até que enfim’”, diz ele, dando risada, sobre quando soube que viraria tema de espetáculo. “Fico todo arrepiado em falar no musical. Conta coisinha por coisinha. De quando me formei em direito, da minha filha, de quando decidi que não queria ser advogado, mas um palhaço.”

O ator conversa sentado ao lado de sua mulher, Lilian Aragão, de 56 anos, que faz as vezes de sua assessora. A entrevista dura 25 minutos, dos quais Renato fala pouco, com a voz fraca e certa lentidão. Aos 89 anos, ele perdeu o vigor de outrora.

O resto do tempo é preenchido por comentários do ator Rafael Aragão, que, apesar do nome, não tem parentesco com ele e interpreta o humorista no musical, e pelas intervenções de Lilian, que vez ou outra toma a frente da conversa. “Amor, só a gente está falando. A entrevista é com você”, lembra ela depois dos quatro primeiros minutos da conversa.

Lilian não hesita em parar a entrevista para comentar as respostas de Renato, como quando ouve ele avaliar o estado da comédia.

“Está mais contida. Na televisão você vê passando novela, jornal, mas não tem programa de humor”, diz o ator. Questionado se acha isso ruim ou não, Renato pensa, mas não consegue concluir. “Você queria que tivesse mais programas”, diz Lilian. “Pois é”, ele concorda.

Essa dinâmica do casal é encenada de forma caricata, mas fidedigna, no palco do VillaLobos. Vivida pela atriz Paulão do Vra, Lilian aparece no começo do primeiro ato, sobre a juventude de Renato no Ceará, porque não suporta ficar relegada à coxia. De tanta ansiedade, a personagem cruza os limites do tempo e do espaço para conhecer a futura sogra e cunhados. Na vida real, o casal só se conheceu anos depois daquilo —Renato se casou antes com Marta Rangel, mãe de seus primeiros quatro filhos.

A Lilian fictícia ressurge depois para tagarelar sobre seu casamento com o humorista, em 1991. Conta a história praticamente sozinha, sem deixar o personagem de Renato falar, fazendo o público rir.

A Lilian de verdade não se incomoda. “É uma leitura que os artistas fizeram. O diretor exagerou, mas sou assim mesmo. Senti como uma homenagem”, ela diz, por telefone. “O Renato é tímido. Interrompo ele porque ele me diz ‘conversa para eu não ter que falar’. Eu respondo ‘as pessoas não querem ouvir eu falando, querem você’. Daí a gente combina que um começa e o outro termina. É cumplicidade.”

Mas sua postura incomoda admiradores do humorista. “Lilian ridicularizou a figura do Renato, que envelheceu mal para caralho, fazendo coisas ridículas no TikTok”, diz Vitor Lustosa, roteirista, produtor ou diretor de 16 filmes de Os Trapalhões, grupo responsável por alçar Renato à fama nos anos 1980.

Lustosa critica as dezenas de vídeos nos quais o humorista aparece fazendo dancinhas, muitos ao lado da mulher. As redes sociais dele são controladas por ela. “Lilian tirou a essência humana dele, fez ele virar uma persona non grata. Renato se sente protegido, mas aquilo é um grande teatro.”

Quem pensa parecido é Rafael Spaca, escritor do livro “Os Trapalhões: Modo de Ser, de Pensar e Se Expressar”. “O Renato é odiado por muita gente porque Lilian o assessora muito mal”, afirma. “Ela tem total domínio dele. Monopoliza tudo sem saber como funciona o meio artístico.”

Lilian rebate. “Renato me deu oportunidade de aprender a trabalhar com publicidade, cinema, televisão e assessoria de imprensa.” Apesar de dizer que o ator é assessorado por uma agência, é ela quem avalia a maioria dos pedidos de entrevistas. “Mas ele sabe de tudo, acompanha tudo [que envolve sua carreira]. Não consigo fazer nada sem o Renato, e ele não faz nada sem mim.”

O analista de sistemas Diego Munhoz, que criou no YouTube o canal Almanaque dos Trapalhões, recebeu em 2015 um convite de Lilian para conhecer Renato pessoalmente. O encontro, ele diz, fez cair por terra a ideia que o humorista fosse chato ou arrogante, como ouvia de muita gente.

O fã também gostou de Lilian. Diz ter achado a mulher incrível —”faz você sentir que a conhece desde a infância”—, mas acredita que ela pode ter prejudicado a carreira do humorista nos últimos anos.

A dramaturga Marilia Toledo, que escreveu o roteiro do musical, recorreu a Lilian para pesquisar a vida do ator. “Havia detalhes que ela pediu para alterar [no texto], e o Renato respondia ‘não, foi assim mesmo’. Coisas que ela não sabia, ou não se lembrava. Mas Lilian é muito tranquila. Tem essa característica de interromper o Renato, mas não de forma invasiva. Ela comprou a ideia da personagem, morreu de rir.”

Spaca, o escritor, gravou uma série documental que deve falar de polêmicas de Os Trapalhões, como o racismo sofrido por Mussum, a suposta bissexualidade de Zacarias e sobre Renato ter embolsado muito mais dinheiro que os outros porque trabalhava como produtor, além de ator. A produção ainda não foi lançada.

Renato, que já havia sido entrevistado por Spaca no passado, não quis dar depoimentos para o documentário. Spaca diz que Lilian ameaçou ir à Justiça contra ele quando soube da série, por medo da produção reforçar a ideia de que o marido fosse um homem pouco generoso no passado.

Lilian se recusa a falar do assunto. “Isso não faz parte da nossa vida. A gente não vive isso.”

Dos quatro Trapalhões, só estão vivos Renato Aragão e Manfried Sant’Anna, o Dedé Santana, que se sagrou como um dos maiores escadas da nossa comédia recente, e formava com Didi uma dupla infalível. Os dois ainda se tratam como irmãos, Dedé diz, com carinho e uns puxões de orelha.

“Fui na casa do Renato há uns meses e tivemos uma briga. Falei ‘para com essa coisa de só fazer dancinha, porra, só fica preso em casa, você vai ficar velho’”, afirma Dedé.

“Não sei se [essa reclusão] tem a ver com a Lilian. Ela orienta muito ele mesmo, diz ‘não fala isso, faz isso e aquilo’. Pode ser para cuidar dele, por causa da idade, talvez ela tenha razão”, ele segue. “Mas parece que o Renato me ouviu. Disse que a estreia do musical foi um sucesso.”

E foi mesmo, com sessões cheias de fãs nostálgicos. O próprio Dedé é parte importante da trama, interpretado pelo ator Enrico Verta.

Mas o ex-Trapalhões não presenciou a comoção. Ele não foi consultado durante a produção da peça nem convidado para ver o espetáculo. Nega ter ficado triste, porém. “Eu vibro pelo sucesso do Renato. Devo muito a ele.”

Questionada, Lilian diz ter ficado muito brava com a produção do espetáculo ao descobrir que Dedé não havia sido chamado —os kits com convites não ficaram prontos e ninguém a avisou, ela justifica. O ator ainda será levado a uma das sessões como convidado especial, ela acrescenta, bem como os familiares de Zacarias e Mussum, mortos em 1990 e 1994. O espetáculo segue em cartaz até o fim do mês e, depois, deve cumprir uma temporada no Rio de Janeiro.

Spaca, o documentarista que é desafeto de Lilian, já teve certa proximidade com Dedé, mas a relação azedou. Ele chateou o humorista ao afirmar em podcasts que Renato e sua mulher pagam o plano de saúde de Dedé como forma de chantagear o ator. “A Lilian não gosta dele. Ela já atrasou alguns pagamentos do plano para o lembrar de que ele está na mão dela.”

Dedé nega, e diz que o plano de saúde foi oferecido a ele de bom grado por Renato após ele ser demitido da Globo, há dez anos. Acrescenta ainda que, se houve atraso no pagamento, foi porque o casal tem muito com o que se preocupar. Lilian, por sua vez, diz gostar muito do ex-parceiro do marido.

A par ou não das polêmicas, Renato Aragão está genuinamente feliz. Começa a chorar assim que entra no palco do musical de sua vida, numa participação que dura cerca de cinco minutos, saudado de pé.

Diz que agora é trabalho na cabeça e que tem vários projetos encaminhados. Até aceitaria voltar à Globo, apesar de ter ficado chateado com a emissora por não receber convite para o Criança Esperança do ano passado, programa que ele ajudou a fundar. O ator foi demitido do canal em 2020 após um contrato de 44 anos.

“Senti um pouco de tristeza. Mas a vida é assim mesmo, vai passando e de repente começa tudo de novo.”

Em nota, a Globo afirma que “tem enorme gratidão e admiração por Renato Aragão”. “O show da campanha, no entanto, tem diferentes desenhos artísticos a cada ano. Em algumas edições não houve a participação do Renato, o que não significa que ele não estará presente neste ano ou nos seguintes, neste ou em outros projetos.”

Mas Renato só voltaria à Globo para fazer um tipo diferente de televisão, ele diz. Hoje muita gente questiona o humor satírico e pastelão de Os Trapalhões, alegando que certas piadas eram preconceituosas e ofensivas. “O que eu fiz está feito. Não adianta consertar. Tem que ter cuidado, mas nunca ofendi ninguém.”

Apesar disso, a comédia, para ele, sempre foi e sempre será uma forma de cura. “Se a pessoa está com tristeza ou com medo, e vê humor na televisão, ela melhora. A vida precisa de humor.”

ADORÁVEL TRAPALHÃO, O MUSICAL

– Quando Sex., às 20h, e sáb. e dom., às 15h e 19h. Até 26/5

– Onde Teatro VillaLobos – av. Dra. Ruth Cardoso, 4.777, São Paulo

– Preço A partir de R$ 39,60 a entrada inteira

– Classificação Livre, com menores de 12 anos acompanhados dos responsáveis

– Autoria Marília Toledo

– Elenco Paulão de Vra, Rafael Aragão e Renato Aragão

– Direção José Possi Neto

– Ingressos sympla.com.br

GUILHERME LUIS / Folhapress

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