BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Polícia Federal prendeu nesta sexta (31) dois suspeitos de envolvimento em ameaças contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e seus familiares.
Um dos presos é o fuzileiro naval Raul Fonseca de Oliveira, sargento atualmente lotado no Comando da Marinha, segundo o Portal Transparência do governo federal. O outro é Oliverino de Oliveira Júnior.
As prisões foram realizadas por ordem de Moraes em São Paulo e no Rio de Janeiro. Também foram cumpridos cinco mandados de busca e apreensão nas duas cidades.
Em nota, Moraes reproduziu trecho de pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), que cita “a gravidade das ameaças veiculadas, sua natureza violenta e os indícios de que há monitoramento da rotina das vítimas evidenciam […] o perigo concreto de que a permanência dos investigados em liberdade põe em risco a garantia da ordem pública”. “A medida é, assim, proporcional, ante o risco concreto à integridade física e emocional das vítimas”, completa.
As medidas contra os suspeitos foram solicitadas pelo titular da PGR, Paulo Gonet, e determinadas pelo próprio Moraes.
Segundo nota do ministro, o pedido da PGR diz que “o conteúdo das mensagens, com referências a comunismo e antipatriotismo, evidencia com clareza o intuito de, por meio das graves ameaças a familiares do ministro Alexandre de Moraes, restringir o livre exercício da função judiciária pelo magistrado do Supremo Tribunal Federal à frente das investigações relativas aos atos que culminaram na tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito”.
Segundo o órgão, foram apontadas “provas suficientes da existência do crime e indícios razoáveis de autoria”.
A Marinha, em nota, afirmou que “não se manifesta sobre processos investigatórios em curso” e que permanece à disposição da Justiça “para prestar as informações, no que lhe couber, necessárias ao andamento das investigações”.
A reportagem ainda não conseguiu contato com as defesas dos suspeitos.
A PF disse que a ação visa “complementar as evidências em torno de violentas ameaças” pelo ministro do STF e ressaltou que as medidas foram solicitadas pela PGR.
Professor de direito da PUC-SP, o advogado Ricardo Sayeg afirma que a prisão autorizada por Moraes é “absolutamente ilegal” por se tratar de uma decisão emitida em um caso em que o magistrado está diretamente interessado.
“É muito grave ameaçar um ministro do Poder Judiciário e a família dele. Essa gravidade é proporcional ao impedimento dele de ser o magistrado da causa”, afirma.
Ele cita como base para justificar o impedimento de Moraes o Artigo 252 do Código de Processo Penal, que afirma que o juiz não pode exercer jurisdição no processo em que “ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito”.
Para Sayeg, cabe recurso à Corte Interamericana de Direitos Humanos contra a prisão.
Em entrevista ao jornal O Globo em janeiro, Moraes disse que as investigações dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 revelaram três planos para matá-lo.
“O primeiro previa que as Forças Especiais do Exército me prenderiam em um domingo e me levariam para Goiânia. No segundo, se livrariam do corpo no meio do caminho para Goiânia. Aí, não seria propriamente uma prisão, mas um homicídio”, disse o ministro, à época.
“E o terceiro, de uns mais exaltados, defendia que, após o golpe, eu deveria ser preso e enforcado na Praça dos Três Poderes”, completou.
Presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), o advogado Renato Stanziola Vieira concordou que, de forma geral, um ministro não deve julgar um caso em que ele seja parte interessada. Ainda afirmou que o Supremo só deve avaliar questões relacionadas ao próprio tribunal, não aos ministros.
“Se não for uma questão do Supremo, e for de um dos seus integrantes pessoalmente, tem de ser avaliado em primeiro grau. E a vítima não pode ser quem vá determinar uma decisão judicial”, disse ele.
O presidente do instituto ainda disse que prisões preventivas não podem ser decretada por conta do tipo penal, mas em casos em que há risco ao processo se o suspeito permanecer solto. “Ameaça é um tipo penal, por isso, sem outro contexto de perigo ao processo, ninguém pode ser preso preventivamente. Prisão preventiva supõe risco de algo, não apenas o cometimento de um crime, seja ele pouco ou muito grave.”
Ele ponderou, no entanto, que não é possível avaliar o caso de forma aprofundada, pois a decisão está sob sigilo.
Moraes é o relator no STF dos inquéritos que miram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados mais próximos.
O ministro está de saída da presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que será assumido por Cármen Lúcia na segunda (3). Sob sua gestão, a corte eleitoral teve como principais bandeiras o combate a desinformação e disseminação de fake news, em especial contra o sistema eleitoral.
Nos dois tribunais o ministro atuou em julgamentos e relatou investigações que desagradaram os bolsonaristas e resultaram em ameaças contra o ministro.
No inquérito das milícias digitais, principal apuração que mira Bolsonaro, a Polícia Federal investiga o planejamento pelo ex-presidente e seus aliados de um golpe que tinha como um dos objetivos tirar Moraes do TSE e do STF.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, um das minutas de golpe debatidas pelo ex-presidente, militares e assessores próximos previa a decretação de estado de defesa na sede do TSE.
MARIANNA HOLANDA / Folhapress