BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está avaliando o risco de se posicionar contrariamente ao projeto de lei antiaborto que tramita na Câmara dos Deputados, considerando que sua aprovação é tida como quase certa.
A preocupação é que a posição contrária e uma consequente nova derrota em um tema considerado sensível acabe desgastando a imagem do governo perante a opinião pública e no próprio Congresso Nacional, afetando o apoio para os temas prioritários do Palácio do Planalto –notadamente a pauta econômica.
Nas últimas semanas, o governo sofreu uma série de reveses em votações no Congresso, desde a sessão que analisou vetos presidenciais do petista até a devolução da medida provisória que restringia o uso de créditos tributários por parte de empresas.
Ao mesmo tempo, aliados apontam que Lula nunca fugiu ao debate relacionado com o tema aborto, mesmo em períodos eleitorais. Um auxiliar do petista ressalta o chamado “fator Janja”, considerando que a primeira-dama tem uma forte posição em temas ligados às mulheres e muita influência sobre o petista.
Auxiliares palacianos apontam que a definição sobre uma estratégia deve acontecer na próxima reunião de articulação política, na segunda (17), após Lula retornar de viagem à Europa.
Há a avaliação nos bastidores que será difícil barrar a tramitação dessa pauta, considerando que os presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não recusam pedidos da oposição relacionados à pauta de costumes, de olho nas eleições para o comando das Casas.
Uma parte da ala política defende que seja possível postergar a tramitação desses temas até o recesso parlamentar (em 18 de julho), com pedidos de audiência pública e negociações no relatório. O governo ainda insiste em acordo para criar uma comissão especial para analisar o PL, mas a proposta é rechaçada pela bancada evangélica.
No caso de defesa de posição, auxiliares vão levar a Lula a sugestão de que a estratégia seja diferente do que ocorreu com a saidinha dos presos. Naquele momento, o governo agiu mais incisivamente durante a análise do veto do petista. Eles defendem que o Executivo atue junto aos parlamentares ainda na tramitação da matéria no Congresso.
Na quarta (12), os deputados aprovaram em votação-relâmpago um requerimento de urgência de projeto que altera o Código Penal para aumentar a pena imposta àqueles que fizerem abortos quando há viabilidade fetal, presumida após 22 semanas de gestação. A ideia é equiparar a punição à de homicídio simples.
O governo não orientou a sua bancada na votação -PSOL, PT e PC do B registraram voto contrário. Agora, os parlamentares precisam analisar o mérito do projeto.
Lira indicou a interlocutores que o conteúdo do texto deverá sofrer ajustes. De acordo com relatos, ele afirmou que o projeto não irá alterar os casos de aborto que já são previstos em lei e que o que está em discussão é a assistolia fetal (procedimento que consiste na injeção de produtos químicos no feto para evitar que ele seja retirado do útero com sinais vitais).
Hoje, o aborto é autorizado em três casos no Brasil: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto.
Lira disse a interlocutores que todo texto na Câmara passa pela análise dos deputados, que isso não será diferente com essa proposta e que ela será tratada com seriedade e responsabilidade. Ele também já avisou a deputados que será escolhida uma mulher de centro para relatar a matéria –e que a bancada feminina da Casa será ouvida nesse processo.
A matéria foi incluída na pauta de votações da Câmara por Lira a pedido da bancada evangélica. O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor do projeto, afirmou a interlocutores que trabalhará para manter o conteúdo do texto e que ele deverá ser votado ainda neste semestre.
Cavalcante apresentou o projeto em reação à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal) que suspendeu todos os processos judiciais e procedimentos administrativos e disciplinares provocados por resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina). A resolução proibia a assistolia fetal.
“A minha visão é que o texto está ótimo, porém não sou relator nem autor. Na questão do aborto, sou contra desde a concepção”, diz o deputado Eli Borges (PL-TO), presidente da frente evangélica na Câmara.
“Acho que o texto tem que ser ampliado no sentido de dar a essa mãe a consciência do que vai acontecer com ela. Não é preciso matar uma criança que está em condição de viver fora do útero da mãe. É apenas retirar do útero da mãe e colocar na fila de adoção, além de dar acompanhamento psicológico a essa mãe”, afirma Borges.
Na quinta (13), Pacheco disse que o projeto, se aprovado, vai passar pelas comissões da Casa e será tratado com “cautela”. Ele afirmou que uma matéria dessa natureza “jamais” iria direto ao plenário.
“Há uma diferença evidente entre matar alguém, alguém que nasce com vida, que é o crime de homicídio, e a morte do feto através do mecanismo, do método de aborto, que também é um crime. Mas são duas coisas diferentes. Toda essa cautela nós temos que ter. E evitarmos legislar em matéria penal pautados pela emoção ou pela circunstância do momento.”
Na quarta (12), outra matéria da pauta de costumes avançou na Câmara. Os deputados aprovaram na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) a PEC das Drogas, que constitucionaliza a criminalização de porte e posse de drogas. O governo também não orientou a sua bancada.
O Executivo considera que não precisa ter uma estratégia mais atuante na questão da PEC. Isso porque todas as fichas estão colocadas na judicialização da questão e a crença de que o STF possa sustar a tramitação, já que há uma avaliação que o texto que tramita no Congresso é inconstitucional.
Lira já afirmou publicamente que a matéria seguirá o rito regimental de uma PEC no Congresso. Com a aprovação na CCJ, cabe a ele designar uma comissão especial para tratar do mérito da proposta -há um prazo de 40 sessões para votar o texto, sendo que o período para emendas se esgota nas 10 primeiras.
Após passar pela comissão especial, a PEC precisa ser analisada no plenário da Câmara, e são necessários 308 votos (de 513) para a sua aprovação, em dois turnos de votação. Caso seja aprovado, o texto será promulgado pelo Congresso, uma vez que emendas constitucionais não precisam de sanção presidencial.
RENATO MACHADO E VICTORIA AZEVEDO / Folhapress