SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil precisa criar uma “força política pela Amazônia”, dar a caneta na mão da ministra Marina Silva e se unir em crítica ao presidente Lula quando ele dá “declarações ambíguas” sobre o meio ambiente.
Foram trechos do discurso do cineasta João Moreira Salles, que tem se tornado um orador cada vez mais eloquente em defesa da preservação da Amazônia, na Feira do Livro em São Paulo.
Ali ele divulgou seu livro mais recente, “Arrabalde”, na tarde deste domingo de muito sol, e argumentou que o Brasil é o país mais bem posicionado para dar soluções “baseadas na natureza” para resolver a crise do clima.
“Talvez só o Plano Real tenha sido algo tão bem-sucedido quanto o plano que reduziu em 80% o desmatamento de 2004 a 2012”, afirmou, em referência a um projeto gestado em grande parte por Marina, que foi ministra do Meio Ambiente de 2003 a 2008 e voltou a partir de 2023.
“Ali demos uma contribuição essencial, evitando lançar uma quantidade brutal de gás na atmosfera, sem afetar um grama da produção de alimento”, disse, tentando desmontar a ideia que justifica o desmatamento pela produção de comida. “E fizemos isso apenas fazendo a lei prevalecer. O oposto do governo Bolsonaro, que deu a senha para as pessoas delinquirem, e elas delinquiram.”
O eixo central da conversa com o escritor Pablo Casella, brigadista ambiental que lança a ficção “Contra Fogo”, foi como as populações urbanas têm dificuldade de enxergar as complexidades da floresta.
Moreira Salles lembrou que seu livro quase se chamou “Quando Eu Cheguei Aqui Não Tinha Nada”, uma frase que costuma sair muito da boca de exploradores da Amazônia. “Mas esse nada é toda a floresta, que para eles não existe.”
“Costumamos temer aquilo que é muito complexo, que não conseguimos ver o horizonte”, disse Casella, que usou o trabalho na Chapada Diamantina como material para seu romance. “É um impulso inerente e muito forte, mas os povos indígenas, que têm a ancestralidade em comunhão com esse ambiente complexo, atuam contra esse instinto primitivo humano.”
O repertório da literatura ocidental, acrescentou Moreira Salles, criou representações da floresta como um lugar de “péssima reputação”. “Ela é perigosa, pica, morde, adoece”, enquanto as culturas indígenas conseguem enxergar o “absoluto emaranhamento entre todas aquelas coisas”.
Como a escala da floresta é tão grande que chega ao incomensurável, a tendência da arte ocidental é reduzir “ao que cabe na imaginação, a desordem pela ordem, o muito pelo pouco”.
É a mesma lógica que sugere que a única maneira de entrar nessas matas é transformando aquilo em algo mais simples –estradas ou monoculturas, por exemplo.
“Mas a floresta sempre vence”, completou o documentarista. “Mesmo se for destruída, ela vencerá, porque vai tornar nossa vida inviável.”
WALTER PORTO / Folhapress