SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em todo o mundo, 2,7 milhões de crianças continuam sem vacinação ou estão com a imunização abaixo do preconizado, de acordo com o relatório anual global do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e da OMS (Organização Mundial da Saúde), divulgado neste domingo (14).
As estimativas globais de vacinação, calculadas anualmente pelas entidades com dados de 185 países, mostram que a cobertura do imunizante DTP (difteria, tétano e coqueluche), que protege contra infecções bacterianas na infância, estagnou em 84% (equivalente a 108 milhões de crianças) em 2023.
Por outro lado, o número de crianças que não receberam nenhuma dose da vacina aumentou de 13,9 milhões, em 2022, para 14,5 mi no ano passado, dados alarmantes para a proteção da saúde dos menores.
Outras 6,5 milhões de crianças no mundo receberam a primeira, mas não foram imunizadas com a terceira dose, o que é necessário para atingir a proteção completa.
A vacina DTP é considerada um modelo para a imunização infantil –isto é, quando suas taxas estão baixas, também estão para as demais vacinas infantis.
O estudo calculou o número de crianças que não receberam a primeira dose (também chamadas zero dose) da DTP, que no Brasil também é chamada de pentavalente, pois protege contra cinco tipos de infecções bacterianas. A imunização completa é feita com uma dose aos dois meses de idade seguida de dois reforços: um aos quatro e outro aos seis meses.
Se as estimativas globais indicam que houve um aumento no número de crianças sem nenhum dose ou com doses em atraso, o Brasil reverteu a tendência de queda e aumentou a cobertura vacinal: o número de crianças zero dose caiu de 687 mil, em 2021, para 103 mil no último ano, enquanto aquelas que não foram imunizadas com a terceira dose caíram de 846 mil para 257 mil no mesmo período.
Isso fez com que o país saísse da lista dos 20 países com mais crianças não imunizadas no mundo.
“Quando fiquei sabendo, eu dei pulo de alegria, porque isso representa um grande avanço no nosso país. Cada criança imunizada, a gente salva uma vida. Tivemos mais de 500 mil crianças salvas no período”, diz Luciana Phebo, chefe de saúde do Unicef no Brasil.
Ela ressalta, porém, que no contexto global não houve um avanço, com uma estagnação em relação ao conceito de criança zero dose. E isso pode ser explicado, em parte, devido à dificuldade de recuperação da imunização infantil em países de baixa e média renda após a pandemia.
“A pandemia afetou todo mundo, mas enquanto países que já tinham o sistema de saúde fortalecido recuperaram a cobertura vacinal, aqueles que já não iam bem não conseguiram melhorar.”
Em países ricos, as principais barreiras no acesso à vacinação foram a desinformação e a hesitação vacinal.
O estudo analisou ainda a taxa de vacinação para outros 13 imunizantes disponíveis na infância que previnem contra doenças contagiosas.
Zonas de conflito
De forma semelhante, a vacina contra sarampo, administrada em duas doses aos 12 meses (tríplice viral) e depois uma dose (tetraviral) aos 15 meses de idade, estagnou mundialmente. No planeta, a cobertura infantil da primeira dose foi de 83%, enquanto a imunização com a segunda dose teve um pequeno aumento no último ano, chegando a 74%. Esses números estão bem abaixo do preconizado pela OMS, de 95%, para eliminação do sarampo.
Mais importante, diz o relatório, 3 em cada 4 crianças no mundo vivem em um dos 103 países onde foram registrados surtos de sarampo nos últimos cinco anos, colocando esses jovens em maior risco para adoecimento e até morte.
Isso é especialmente preocupante ao considerar que mais da metade das crianças não imunizadas vive em países em conflito, onde a garantia dos direitos básicos infantis –incluindo a vacinação– é frágil.
No relatório anterior, divulgado em abril do ano passado, 48 milhões de crianças não haviam recebido nenhuma dose preconizada da vacina DTP de 2019 a 2021. No caso do Brasil, o período da pandemia deixou 1,6 milhão de crianças sem vacinação, e outras 2,4 milhões com atraso vacinal.
“O Brasil está avançando. Para continuar avançando, duas coisas vão ter que ser feitas. Uma é aumentar a velocidade desse avanço. A outra é pensar na imunização de forma intersetorial, unindo vários setores, para recuperar a cobertura vacinal -e nesse sentido os três entes responsáveis, federal, estadual e municipal, cada um tem o seu papel”, diz Phebo.
Para Isabella Ballalai, pediatra e diretora da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações), o governo federal passou a investir mais na recuperação das taxas vacinais com planejamento nos municípios e busca ativa de crianças em atraso. “A gente volta a um cenário melhor também, o brasileiro confia em vacina, o brasileiro acredita na importância da vacina. Quando a gente tem uma queda da confiança, é muito mais Covid [os pais que não querem vacinar os seus filhos] do que outra coisa”, afirma.
HPV
Um dado animador do relatório foi o aumento da cobertura vacinal do HPV (papilomavírus humano) em meninas, impulsionado pela introdução do imunizante em países como Bangladesh, Indonésia e Nigéria por estratégias como a Gavi, Aliança da OMS para distribuição de vacinas.
Em 2022, a taxa de vacinação em meninas adolescentes (9 a 14 anos) era de 20%, passando para 27%, em 2023. O uso do esquema de dose única também ajudou a aumentar a cobertura vacinal.
Apesar de um avanço, ainda é bem abaixo da meta de 90% para eliminar o câncer de colo de útero, explica Sania Nishtar, diretora executiva da Gavi. “Com vacinas disponíveis [nesses países] para mais de 50% das meninas nos países africanos, temos muito trabalho a fazer, mas podemos hoje ver um caminho claro para eliminar essa terrível doença.”
No Brasil, segundo os dados do Ministério da Saúde, a cobertura vacinal nas meninas com a primeira dose contra o HPV não atingiu 76%; para a segunda ficou abaixo de 60%. Em relação aos meninos, 42% receberam a primeira dose e 27% a segunda.
Na última semana, a pasta da Saúde anunciou a inclusão no calendário para a imunização contra o HPV no SUS (Sistema Único de Saúde) usuários de PrEP (profilaxia pré-exposição) contra o HIV de 15 a 45 anos. Em abril, o ministério já havia incluído adolescentes de até 19 anos e pessoas com papilomatose respiratória recorrente (tumor benigno causado pelo vírus HPV que pode acometer crianças ou adultos), independentemente da idade.
Phebo aponta a comunicação, especialmente focada em certos grupos e territórios, como ferramenta de auxílio para imunização. “As famílias que levam as crianças [para vacinar] e não conseguem por falta de estoque, ou porque o posto está fechado, não se sentem com seus direitos garantidos. Isso pode ser um motivo de não levar na próxima vez, além da falta de informação sobre as doenças e como preveni-las.”
ANA BOTTALLO / Folhapress