Como megaeventos movem a indústria da moda com a tendência de superproduções

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Era o início dos anos 2010 quando um evento no deserto da Califórnia, nos Estados Unidos, mudou o paradigma do que era um festival de música. O Coachella, ao reunir grandes nomes não só no line-up, mas também de público, e virar o destino favorito de celebridades como Vanessa Hudgens, Selena Gomez e as Kardashians, se tornou referência para pesquisas de tendências de moda e para posicionamento das marcas.

Naquele momento, o Coachella reunia as maiores fashionistas do mundo, muitas delas brasileiras -como Camila Coelho e Alessandra Ambrósio-, que “vlogavam” cada segundo daquela experiência no meio do deserto californiano. E os looks eram quase tão importantes quanto o festival. O evento foi um dos grandes responsáveis pelo boom da tendência “boho-chic” e um divisor de águas no conceito de moda de festival.

Mas o Coachella não foi o primeiro com essa importância. O Festival de Woodstock, que aconteceu em 1969 no estado de Nova York, também teve uma influência que ultrapassou a música e atingiu a cultura pop e, em consequência, a moda. O estilo hippie, que na época tinha mais a ver com ideais e contracultura, ganhou popularidade, e Woodstock é, até hoje, referência fashion com frequência.

No Brasil, festivais como o Lollapalooza, o Rock in Rio e, mais recentemente, o The Town têm mobilizado o público em torno de produções cada vez mais elaboradas. Dessa forma, esses megaeventos, para além de um encontro de grandes nomes da música, se tornam um espaço para ver e ser visto fora dos palcos, o que mobiliza também a indústria fashion.

“Com o crescimento da internet e do interesse pelo ‘street style’, as pessoas que até então eram anônimas passam a ser foco de interesse. A autenticidade desses estilos pessoais passa a ter grande destaque, o que impulsiona a ‘montação’ e a autoafirmação”, diz o designer Dudu Bertholini.

Se até então definir o que é tendência era algo reservado aos veículos de comunicação, às grifes e às celebridades, a internet passa a “despadronizar” a moda. Os indivíduos se tornam um canal de comunicação para democratizar um espaço restrito. Como vitrines, os festivais são o cenário de expressão dessa autenticidade.

“As pessoas querem estar nos festivais com looks que geram impacto. Com as redes sociais e a monetização dos criadores de conteúdo, isso também vira um investimento. É algo do tipo ‘vou investir nesse look porque pode me trazer visibilidade e retorno financeiro em algum momento'”, diz a stylist Carolina Castro.

Esse investimento em looks, seja para criar conteúdo ou para homenagear artistas, muitas vezes pode ter um gasto equivalente ou maior daquele despendido com ingressos.

Em novembro passado, quando Taylor Swift passou pelo Brasil com uma série de shows, as redes sociais ficaram em polvorosa com as produções e os gastos dos fãs para verem a cantora. O tiktoker Walter Moraes, por exemplo, viralizou ao revelar o quanto investiu para assistir a todas as apresentações dela.

Entre ingressos, acessórios, camisetas das chamadas “eras” e miçangas para fazer as pulseirinhas relacionadas à artista, o influencer gastou cerca de R$ 13 mil. O vídeo no qual ele soma esses gastos passa de 2 milhões de visualizações.

Já a criadora de conteúdo Manu Canielas começou a idealizar seus looks em junho para as apresentações que aconteceriam só em novembro. “É uma ocasião muito especial, algo que a gente esperou por muito tempo. Neste caso, fazia muitos anos que a Taylor não vinha para cá. Como trabalho com moda, vi ali também uma oportunidade de trabalho.”

Assim a criadora de conteúdo fez uma parceria com uma estilista de sua cidade, Porto Alegre, e criou com ela looks que representavam as fases “Red”, “Reputation” e “Speak Now” de Swift. E mesmo que as roupas tenham sido feitas com uma parceria, Canielas desembolsou cerca de R$ 7.000 para ver a cantora e criar conteúdo sobre os looks.

Algo semelhante aconteceu com a passagem de Madonna pelo Brasil, em maio, com seu megashow no Rio de Janeiro, para o qual fãs se dividiram em looks de clipes como os de “Like a Virgin”, “Like a Prayer” e “Erotica”.

“Percebo que tem essa onda da galera que vai para curtir o show e quer se vestir parecido com o artista, a gente vê o artista no palco e gosta de se sentir parecido com ele”, diz Mari Lobo, criadora de conteúdo que confessa já ter investido até R$ 500 em uma produção para festival.

Essa febre não acontece só entre artistas internacionais. Ludmilla, com sua turnê “Numanice”, mobilizou muitos fãs em busca do look perfeito para assistir à cantora em seu show de pagode. A coordenadora de produtos Hellen Damasceno investiu R$ 700 no ingresso, cerca de R$ 400 em roupas e mais R$ 500 para trançar seu cabelo na ocasião.

“Você precisa estar adequada ao line-up e à setlist daquele evento. E acho que cada show tem uma vibe, e você precisa se sentir dentro dela para curtir até o final”, diz Damasceno.

Os megaeventos também têm se consolidado como oportunidade para as marcas atraírem mais público. Após a pandemia, as pessoas estão cada vez mais dispostas a viverem experiências coletivas. Em 2022, o Rock in Rio reuniu 700 mil pessoas em sete dias, das quais 60% eram visitantes, o que gerou um impacto econômico de mais de R$ 2 bilhões para a cidade, valor maior que na edição de 2019, segundo a plataforma de pesquisas de marketing Think with Google.

“A gente trata os festivais como um evento de moda dentro da C&A. Isso significa que temos uma longa preparação. Pesquisamos de forma aprofundada o comportamento do consumidor que frequenta esse tipo de evento, o ‘mood’ do festival, as bandas contratadas, aí a gente desenha a nossa estratégia. Depois traduzimos isso numa coleção”, diz Claudia Simon, diretora de operações da varejista.

Segundo ela, patrocinar o Rock in Rio, por exemplo, é uma forma de reafirmar o posicionamento da C&A. “O festival é um lugar de diversidade, que expressa felicidade e desperta a jovialidade nas pessoas. Então é o lugar que a gente quer estar.”

NADINE NASCIMENTO / Folhapress

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