BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A ANM (Agência Nacional de Mineração) autorizou 870 garimpos em 18 unidades de conservação no Brasil, mesmo com a mineração proibida em áreas de preservação.
A Folha encontrou as sobreposições entre a atividade econômica e as áreas protegidas ao cruzar informações de autorizações concedidas pela ANM com o banco de dados do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), responsável por cuidar das unidades.
A maioria das lavras está no Pará. São 846, o que representa 97% do total. Os outros estão em Rondônia (11), Piauí (7), Bahia (3), Amazonas (2) e Rio Grande do Sul (1).
Do total de autorizações, 14 foram concedidas no atual governo Lula (PT). O ano com mais concessões foi 1995, gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com 272.
A ANM disse que a legislação “não impede a outorga de Permissão de Lavra Garimpeira em unidades de conservação, somente condiciona o início dos trabalhos a uma prévia autorização do órgão administrador da UC [unidade de conservação]”.
O ICMBio disse estar ciente da situação e acompanhar o problema de perto. “[O órgão está] atuando na elaboração de diversos documentos técnicos para embasar tais irregularidades junto à Procuradoria Federal Especializada e ao Ministério Público Federal”, afirmou, em nota.
“O ICMBio e Ibama [Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais e Renováveis] realizam ações fiscalizatórias na área em virtude da emissão de alertas de desmatamento”, disse também órgão.
O instituto respondeu ainda que está elaborando, em conjunto com a ANM, um termo de cooperação para o compartilhamento de dados e acesso aos sistemas.
No Pará, a maioria das lavras está na APA (área de proteção ambiental) do Tapajós, que possui extensão de 2 milhões de hectares, dos quais 86% ficam no município de Itaituba (PA), capital nacional do garimpo.
As autorizações da ANM na região somam 112,5 mil hectares, o que equivale a 5,5% do total da unidade de conservação.
O ICMBio apontou que a área é, desde 2022, a unidade de conservação federal mais desmatada do Brasil. “Vale ressaltar que cerca de 50% de todo o desmatamento no interior desta unidade tem como origem o desmatamento para a atividade de mineração”, apontou o órgão.
Os garimpeiros tentam driblar a legislação ambiental obtendo licenças municipais. De acordo com o ICMBio, o MPF “já recomendou o não reconhecimento das licenças ambientais municipais tanto à ANM, quanto ao ICMBio e Ibama”.
A ANM disse, por sua vez, que “não é responsável por fiscalizar a emissão de licenças ambientais emitidas por órgãos incompetentes”.
Apesar disso, prosseguiu a agência, “está sendo revisto, em caráter de urgência, os normativos internos da ANM para condicionar a liberação de lavras garimpeiras em unidades de conservação somente após o encaminhamento à ANM de anuência do órgão gestor da unidade”.
Uma pessoa sozinha tem 161 autorizações para garimpar na unidade de conservação. É José Antunes, conhecido como dr. José, ligado à Amot (Associação dos Mineradores de Ouro do Tapajós), grupo que atua justamente na região recordista de sobreposições.
Ele também aparece em outro levantamento feito pela Folha, que identificou pessoas e cooperativas que criaram megagarimpos na Amazônia.
Neste levantamento, Antunes é a pessoa física com mais lavras de garimpo na ANM, 161, acumulando 8.048 hectares para exploração, uma área maior que a de Serra Pelada, que foi o maior garimpo a céu aberto do mundo, onde atuaram cerca de 100 mil trabalhadores no seu auge.
Antunes é citado em investigação da PF (Polícia Federal) sobre esquema para “esquentar” ouro ilegal, de acordo com reportagem do site The Intercept. Ele foi procurado pela Folha para comentar os casos, mas não respondeu.
Atualmente, as regras sobre mineração determinam que um só CPF pode ter até cinco garimpos, e que cada um desses deve ter apenas 50 hectares –limite que sobe para 10 mil no caso de pessoas jurídicas, as cooperativas.
Em termos percentuais, a unidade de conservação com a maior área autorizada pela ANM é a Resex (reserva extrativista) Lago do Cuniã, em Rondônia. A área tem 76,4 mil hectares, dos quais 9.400 são de garimpo autorizado pela agência. Isso representa 12,3% do local.
Reservas desse tipo são utilizadas por populações tradicionais cuja subsistência baseia-se no extrativismo, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte.
Em segundo lugar no levantamento aparece Francisco do Nascimento Moura, com 52 autorizações.
Ele é citado em uma investigação da PF e na denúncia do MPF como fornecedor de ouro ilegal, extraído da região de Itaituba, para a DTVM Ourominas, que foi alvo da operação dos órgãos de fiscalização.
A investigação identificou ao menos 4.652 aquisições de ouro clandestinas de 2015 a 2018, somando R$ 70,3 milhões e 610,8 quilos do metal.
Nos registros, as lavras garimpeiras de Moura aparecem como uma das principais fornecedoras.
Ouvido pela PF, ele deu depoimentos contraditórios. Primeiro afirmou que a venda não tinha sido autorizada por ele. Depois, que tinha feito um acordo para que o seu garimpo fosse utilizado.
A Folha também não conseguiu contato com Moura. Em nota sobre a ação policial à época, a Ourominas negou irregularidades e disse que iria colaborar com a Justiça.
LUCAS MARCHESINI E JOÃO GABRIEL / Folhapress