SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Morar nos bairros mais periféricos da cidade São Paulo está intimamente associado a um risco maior de morte por doenças crônicas como diabetes, AVC (acidente vascular cerebral) e infarto. Um novo estudo mostrou que a mortalidade chega a ser 20 vezes maior a depender do local de moradia, como no caso de mulheres com diabetes mellitus.
O estudo, comandado pelo Insper e pela Umane, utilizou a dimensão e a estruturação dos dados públicos da capital paulista, incluindo dados cartográficas, populacionais, epidemiológicos, socioeconômicos e de recursos de saúde, referentes ao período de 2010 a 2019.
Para fazer a análise, foi adotada uma escala de mortalidade padronizada (dada pela razão entre óbitos observados e óbitos estatisticamente esperados), na qual o distrito administrativo que está na média fica com valor 1.
Em Moema, bairro rico da zona sul da capital, o índice entre mulheres é de 0,11, ou seja, bem abaixo da média. Por outro lado, no Jardim Helena, na zona leste, a cifra é de 2,32 -cerca de 21 vezes o valor de Moema e mais que o dobro da média.
Assim, pesquisadores correlacionaram a variação da mortalidade das mulheres (38%) em relação às condições socioeconômicas. Para os homens esse efeito é menos pronunciado (25%), com os extremos nos bairros Alto de Pinheiros (0,25) e Jardim Helena (1,84).
“São Paulo é um laboratório natural de saúde urbana, porque permite que se estude a desigualdade do acesso social”, afirma o patologista Paulo Saldiva, coordenador do estudo e do Observatório de Saúde Urbana do Insper e professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).
Outro achado da pesquisa é que, diferentemente da tendência em outras faixas etárias, ao longo dos anos, as mortes entre adultos jovens (entre 30 e 39 anos) por causa de diabetes têm uma tendência de aumento.
Isso preocupa por que o diabetes, assim como hipertensão e sedentarismo, embora seja silencioso no início, provoca dano cumulativo no organismo. A conta chega anos após o diagnóstico, seja na antecipação da morte ou na diminuição dos anos de vida saudável.
“Controlar diabetes é muito difícil, mais que hipertensão. A pessoa tem que ir em algum tomar uma picada no dedo em jejum, depois voltar para acertar a dose de insulina. E mesmo se o programa de saúde da família pudesse ir até a casa da pessoa, a pessoa trabalha, nem sempre ela está disponível no horário convencional. Uma solução era fazer postos de coleta, por exemplo, ao longo das linhas de metrô. A pessoa faz o exame de glicemia, ganha um biscoito e pode receber o resultado por WhatsApp”, diz Saldiva.
Um dos objetivos do trabalho é influenciar políticas públicas, aproveitando também o período eleitoral para apresentar os resultados aos candidatos à Prefeitura. Segundo Saldiva, a ideia é que o eleito, municiado dos dados, tenha força para implementar mudanças.
No caso das doenças isquêmicas do coração, a discrepância entre bairros também é notória. No Grajaú, na zona sul de São Paulo, por exemplo, a taxa padronizada de mortalidade entre homens de 30 a 39 anos é de 5,2, ou seja, 420% maior do que a média.
No caso das doenças cerebrovasculares, como AVC, o destaque negativo entre mulheres ficou com o Brás (1,6), e o positivo, Jardim Paulista (0,3). Já entre os homens, os extremos ficam em Perus (1,7) e Moema (0,1).
A análise indicou também uma tendência geral de redução na mortalidade materna (seja direta, por condições com pré-eclâmpsia e hemorragia, ou por outras causas que levam ao desfecho) ao longo do período. No entanto, essa melhora não foi observada de maneira uniforme, com gargalos regionais.
Nos dez anos analisados, foram contabilizados 845 óbitos maternos. Nenhum deles aconteceu no Alto de Pinheiros, Mooca, Saúde, Pinheiros e Tatuapé. Na outra ponta, em números absolutos, destacam-se negativamente Itaim Paulista, zena leste, com 26 mortes, e Brasilândia, na zona norte, com 25. Os piores números estão na região sul da capital: Grajaú (38), Cidade Ademar (31), Jardim Ângela (28), Capão Redondo (27) e Jardim São Luiz (25).
Proporcionalmente, os bairros mais afastados em geral tem mulheres mais jovens em sua estrutura demográfica e maior taxa de fecundidade.
O grupo também apresenta ideias, como repensar o financiamento do serviços, ter maior incentivo ao emprego da telessaúde, aperfeiçoar sistemas de acompanhamento dos pacientes, ampliar de serviços de reabilitação, e implementar unidades de saúde anexas a estações de trem e metrô.
“A saúde pública de um bairro não é um problema isolado. A gente tem que ter políticas públicas que considerem o território, entendendo e abraçando essa complexidade, principalmente devido às questões socioeconômicas. Não é o mesmo tipo de unidade básica de saúde que vai ter bom desempenho em bairros com contextos completamente diferentes. Uma mensagem que queremos deixar é o quanto é importante reconhecer o impacto dessa desigualdade para conseguir planejar melhor os serviços de saúde para a população”, afirma Evelyn Santos, gerente de parcerias e novos projetos da Umane.
GABRIEL ALVES / Folhapress