Concursados perdem espaço para comissionados em Ministérios Públicos dos Estados

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O número de cargos comissionados avançou rapidamente nos últimos dez anos e, em alguns casos, ultrapassou o montante de cargos efetivos nos Ministérios Públicos estaduais.

O cargo efetivo é ocupado obrigatoriamente por um servidor aprovado em concurso público. O cargo comissionado, por sua vez, é preenchido por indicação de um membro como promotor ou procurador, sem necessariamente ser um servidor concursado.

A disparidade está sendo questionada judicialmente pela Fenamp (Federação Nacional dos Servidores dos Ministérios Públicos dos Estados) e pela Ansemp (Associação Nacional dos Servidores do Ministério Público).

As entidades ingressaram contra 11 promotorias estaduais, via ações diretas de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal). Nesta sexta-feira (16), será retomado o julgamento que trata do Ministério Público do Estado da Bahia.

Também foram protocoladas ações contra os órgãos de Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.

A Constituição estabelece que postos comissionados são reservados a funções de confiança e cargos em comissão, tanto da administração direta quanto em autarquias e fundações, em todos os Poderes e órgãos da União, destinando-se exclusivamente às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

Segundo levantamento da Fenamp em portais da transparência, já há mais cargos comissionados do que efetivos em oito estados. É o caso de Mato Grosso (65,28%) e Santa Catarina (65,07%), por exemplo.

Outros cinco já se aproximam dessa marca. Os comissionados representam por volta de um terço do total nas promotorias de outros cinco estados (veja relação completa abaixo).

Como existe a alternativa de indicar servidores concursados para funções comissionadas, numa forma de premiá-los, o levantamento também buscou identificar esse cruzamento.

Segundo o coordenador executivo da Fenamp, Alberto Ledur, a maioria dos cargos não é um bônus para concursados —de 85% a 90% dos postos estão preenchidos por profissionais que não fazem parte da estrutura dos Ministérios Públicos estaduais .

No caso da Bahia, por exemplo, há 838 cargos de comissão, e 108, 12,8%, são preenchidos por concursados. Os 724 restantes estão com pessoas escolhidas fora da instituição.

“O pano de fundo dessas desproporções é uma discussão de poder, porque o promotor, ao indicar, pode ter alguém submetido à sua visão de mundo. No extremo, tantos cargos comissionados abrem margem até para nomeações de amigos, indicações políticas e de parentes —a prática de nepotismo”, afirma Ledur.

“O pano de fundo dessas desproporções é uma discussão de poder, porque o promotor, ao indicar, pode ter alguém submetido a sua visão de mundo. No extremo, tantos cargos comissionados abrem margem até para nomeações de amigos, indicações políticas e de parentes.

Coordenador executivo da Federação Nacional dos Servidores dos Ministérios Públicos dos Estados

“O servidor em cargo efetivo, não. Passou num concurso público, tem autonomia e pode até sustentar, eventualmente, uma oposição contra um promotor de Justiça.”

Em suas ações, a Fenamp questiona as desproporções e pede a aplicação constitucional que determina limites para comissionados e efetivos.

Segundo Ledur, as entidades defendem a jurisprudência estabelecida em um caso movido pelo Ministério Público de São Paulo contra o município de Guarulhos. Na ação, julgada em 2019, foi aplicado um limite de 10% do total de servidores para cargos comissionados.

A promotoria de São Paulo, aliás, tem o menor percentual de comissionados do levantamento, apenas 2,64%

O professor da FGV Direito SP e pesquisador das relações no setor público, Carlos Ari Sundfeld, declara que existem limites muito claros para o número de comissionados no Executivo. No caso do Ministério Público, no entanto, ele afirma não haver número mágico.

“Há um percentual de comissionados em funções de direção e chefia, atuando na burocracia administrativa dos ministérios públicos, mas a maior parte está nos gabinetes, fazendo assessoria para promotores e procuradores, que têm independência e autonomia para selecioná-los”, afirma.

“Então, é preciso avaliar caso a caso, levando em consideração, por exemplo, o número de membros do Ministério Público e a estruturas do trabalho de cada um. ”

Em alguns órgãos, há muitos promotores, em outros, essa estrutura é enxuta, inclusive para reduzir custos. Alguns recorrem a estagiários, outros têm dado mais espaço para a figura do residente de direito, que como o residente na medicina, faz estágio nesses órgãos.

O levantamento também identificou um acelerado avanço nos cargos comissionados desde 2014. O maior crescimento ocorreu no Ceará, onde houve um crescimento de 679%. Em segundo lugar ficou Pernambuco, com aumento de 236,5%.

Na ação direta de inconstitucionalidade contra o Ministério Público da Bahia, oito ministros do STF já votaram, todos atendendo a demanda das entidades. Os votos restantes devem ser proferidos até 23 de agosto.

Nesta quinta-feira (15), o Diário Oficial do estado da Bahia publicou que a promotoria vai realizar concurso público. Ledur diz que o concurso em nada muda a proporção questionada na ação —que apenas cai de 36% para 32%, o que mantém o volume de comissionados na casa de um terço.

No primeiro julgamento da leva de ações diretas de inconstitucionalidade, no entanto, contra o Ministério Público do Estado do Espírito Santo ocorreu evento similar. Houve pedido de vistas. Nesse meio tempo, o órgão anunciou concurso público. No retorno da análise, os ministros consideraram perda objeto.

“A gente teme que a abertura de concursos, sem efeito prático, vire estratégia para anular as ações. No caso do Ministério Público da BA, nada muda na prática, por exemplo”, diz Ledur.

Procurada para avaliar as considerações da federação, a promotoria baiana não retornou até a publicação deste texto.

ALEXA SALOMÃO / Folhapress

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