Rompimento interno do regime é ilusório, diz líder chavista anti-Maduro

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Juan Barreto é chavista. Mas também é antimadurista. Aos 65 anos, o ex-prefeito de Caracas e ex-deputado é um dos líderes da oposição minoritária que não está ao lado da dupla María Corina Machado e Edmundo González, mas também pede revisão dos resultados eleitorais que oficialmente reelegeram Nicolás Maduro.

Barreto conheceu Hugo Chávez (1954-2013) quando era líder estudantil na universidade, ainda antes de o militar assumir o poder. Com o passar dos anos, fez críticas ao amigo que inicialmente caíram bem, mas depois nem tanto. Ainda assim, nunca se afastou do chavismo.

Sua história com Maduro, o pupilo de Chávez, é bem diferente. Há uma década, afastou-se do hoje ditador. Nas eleições de 28 de julho, apoiou o candidato Enrique Márquez, também crítico da falta de transparência do Poder Eleitoral.

Na conversa por telefone com a Folha, Barreto afirma ser uma ilusão pensar que a cúpula do poder romperia com Maduro e diz que o regime busca negociar em condições favoráveis enquanto promove uma campanha de repressão e medo.

PERGUNTA – O sr. ainda se considera chavista. O que significa isso na Venezuela hoje em dia?

JULIAN BARRETO – O chavismo é uma corrente política formada por muitas ideologias e tendências, que teve um ponto de convergência na liderança de Chávez e na proposta da Constituição bolivariana. Sou chavista na medida em que defendo essa Constituição, apresentada em um referendo popular e que obteve 73% dos votos. Sou chavista desse projeto original.

P. – O que o levou a se afastar de Nicolás Maduro?

JB – Eu me atrevi a criticar Chávez. Ele queria introduzir o conceito de socialismo na Constituição, e dizíamos que o socialismo não podia ser imposto de cima para baixo. Quando ele morreu, apoiamos Maduro, mas imediatamente começaram a surgir diferenças profundas.

Começamos a fazer críticas sobre atos de corrupção que estavam ocorrendo. Entregamos nas mãos dele um dossiê com casos de corrupção na indústria petrolífera coletados pelos próprios trabalhadores. Qual não foi nossa surpresa quando muitos deles foram demitidos da indústria e presos, suas casas foram revistadas, alguns tiveram que deixar o país. Decidimos que não podíamos mais apoiar Maduro.

P. – Há alguma chance de Maduro aceitar negociar uma saída do poder?

JB – Parece que as pontes foram destruídas. O governo se entrincheira, tenta negociar em condições favoráveis, enquanto faz controle de danos. Hoje há um jogo de amigo-inimigo que vai além da política. O segundo do PSUV, Diosdado Cabello, ameaça, intimida. Ele disse que somos porta-vozes do fascismo porque estamos pedindo que a Constituição seja respeitada e que o Conselho Nacional Eleitoral cumpra suas obrigações publicando os resultados eleitorais de forma detalhada, mesa por mesa, como tradicionalmente a lei sempre exigiu na Venezuela.

P. – Devemos imaginar a possibilidade de uma divisão dentro do regime?

JB – Acredito que isso seja mais um desejo e uma fantasia do que uma possibilidade. Hoje o governo fala de uma aliança cívico-militar-policial. Chávez falava de uma aliança cívico-militar, Maduro incorpora o elemento policial. Os militares na Venezuela controlam mais de 30% da economia, há empresas militares que gerenciam parte da indústria petrolífera, fazem parte da estrutura do Estado e do governo. Pode haver fissuras, contradições, com certeza, mas que isso leve a uma ruptura, não vejo em lugar nenhum.

Permanecer no poder por mais seis anos com base em uma dúvida razoável coloca em questão a legitimidade e a origem do governo de Maduro. Supomos que em algum momento Maduro sairá da fase da caverna defensiva e assumirá a política. Caso contrário, isso se tornará algo como a Coreia do Norte com a Arábia Saudita, um lugar onde não se pode levantar a cabeça sem ser considerado suspeito de algo. Já existem atores do madurismo muito radicalizados que ameaçam. Há um processo repressivo brutal que não era visto havia muito tempo: invasões sem mandado judicial, jovens sendo parados na rua para terem seus telefones revistados. Em minha casa, todos os dias amanhecem carros policiais sem placa vigiando.

P. – O que o Tribunal Supremo de Justiça poderia fazer?

JB – O que o tribunal está fazendo não é legal. O Poder Eleitoral tem uma lei orgânica que lhe dá autonomia e é o único autorizado por lei a realizar eleições e escrutínios e tem em sua própria lei mecanismos de autorregulação que permitem processos de revisão diante de qualquer impugnação. O fato de o presidente da República ter ido ao tribunal nos parece uma maneira de fugir tentando encobrir as falhas, erros, omissões do Conselho Eleitoral que se atreveu a emitir um boletim com um resultado e depois fazer uma proclamação sem ter publicado e sem ter dado sustentação a esses resultados.

Por outro lado, o setor González e María Corina se apressa em publicar em um site as atas. Isso não é um crime, mas o governo tentou criminalizar. Lembre-se de que a oposição radical que hoje reclama do conflito eleitoral já convocou uma greve petrolífera que quase quebrou a economia; fez um golpe de Estado em 2002; estava supostamente envolvida em atos de magnicídio; levantou as bandeiras de um governo paralelo chamado interino e proclamou o então presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, presidente da República; pediu sanções contra o país, sanções que ainda pesam sobre a economia e o povo da Venezuela. Maduro não sente confiança na oposição. Ele está pagando o preço da permanência e se entrincheira buscando uma condição vantajosa que lhe permita negociar em melhores termos.

Raio-X | Juan Barreto, 65

Nascido em Caracas, formou-se em comunicação e sociologia. Foi líder estudantil e comandou a comunicação da campanha de Hugo Chávez em 1998. Foi deputado da Assembleia Nacional (2000-2004) e prefeito de Caracas (2004-2008).

MAYARA PAIXÃO / Folhapress

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