Como é o filme sobre palhaço que levava crianças para câmara de gás no nazismo

VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Há mais de meio século, a história de um filme desaparecido intriga Hollywood e cinéfilos no mundo inteiro: o que teria acontecido com a trágica comédia sombria de Jerry Lewis, “The Day the Clown Cried”, ou o dia em que o palhaço chorou?

Filmado na Suécia em 1972, o filme contava a história de um palhaço decadente e deprimido, levado a um campo de concentração, que acaba encarregado de conduzir crianças às câmaras de gás. Problemas por trás e às frentes das câmeras impediram que o filme fosse lançado, e apenas poucas pessoas viram alguns trechos da obra. Para muita gente, tudo não passava de uma lenda de Hollywood. Um filme desses, afinal, não podia ter existido. Até agora.

O documentário de Eric Friedler e Michael Lurie, “From Darkness to Light”, que teve sua estreia mundial neste Festival de Cinema de Veneza, exibe diversos trechos do filme de 1972 pela primeira vez, enquanto narra em paralelo tanto a trama do longa-metragem quanto os bastidores da produção e o desencanto do protagonista com o que seria seu trabalho mais ambicioso, o que ele chamava de “meu Hamlet”.

Com esse documentário, não apenas uma das maiores lendas do cinema é revelada como o tal filme é quase todo mostrado, tanto do que seria o produto final quanto das cenas de bastidores. Há trechos impagáveis de Lewis dirigindo diálogos de seus atores palavra por palavra, como se cada frase fosse um trecho de uma música.

Um ator, em um momento, passa longos minutos com Lewis mostrando a ele a maneira mais eficaz de dizer “o que você faria?”. São quatro palavras, que o diretor faz questão de que sejam ditas do jeito que ele prefere. Como um maestro, Lewis conduz o ritmo e os momentos em que a voz do ator deve ser mais grave ou mais aguda.

Um dos diretores do documentário, Michael Lurie, soube que um famoso documentarista australiano radicado na Alemanha, Eric Friedler, havia feito uma longa entrevista com Jerry Lewis em 2017, semanas antes da morte do comediante, em agosto do mesmo ano, aos 91 anos. Então, propôs trabalharem juntos, tendo a entrevista como espinha dorsal do projeto.

A entrevista é longa, fascinante e exibida em trechos. Mostra Lewis completamente lúcido e aberto a contar a história do filme, os problemas da produção e, mais chocante de tudo, as razões que o fizeram deixar de lutar pelo lançamento. Além da dor de abrir mão de um projeto no qual trabalhou por mais de um ano, uma grande produção, rodada na Suíça, com toda a parafernália de uma grande produção de Hollywood, até maquetes de cenários eram feitas.

Outros entrevistados incluem parte do elenco e da equipe original do filme, além do amigo e admirador de longa data Martin Scorsese, entrevistado pelo produtor executivo do filme, Wim Wenders. Depois do fracasso deste projeto, Lewis ficou dez anos sem trabalhar, até que justamente Scorsese o convenceu a fazer com ele e Robert De Niro o filme “O Rei da Comédia”, de 1982.

O comediante americano, nascido em março de 1926, era famoso por não ser um entrevistado fácil, além de não ser nada simpático com jornalistas e totalmente rigoroso em relação a que tipo de perguntas respondia e ao que não respondia. Mas aparece sem nenhum tipo de amarra no documentário, como se precisasse fazer um último desabafo sobre sua maior frustração na vida.

Além das filmagens originais e das entrevistas inéditas, “From Darkness to Light” usa imagens de arquivos de talk shows dos anos 70 em que Lewis parece satisfeito com o projeto. O ator contava que o filme estava em processo final de edição e seria lançado dali a poucas semanas.

O documentário que conta esta história está em produção há quase uma década, e o plano dos diretores sempre foi lançá-lo ao mesmo tempo em que o material bruto de “The Day the Clown Cried” fosse disponibilizado na Biblioteca do Congresso, uma das últimas decisões deixadas por Lewis em vida.

TETÉ RIBEIRO / Folhapress

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