SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A realização de procedimentos fora do previsto devem ser previamente analisados e ter o consentimento da paciente, segundo especialistas.
Reportagem da Folha mostrou que ginecologista que teria deixado sequelas cardíacas em uma mulher submetida a uma cirurgia de endometriose na região pélvica. A paciente afirma que não deu consentimento para que o procedimento fosse realizado em outras regiões. A defesa de Ricardo Mendes Alves Pereira firma que não vai se pronunciar devido ao sigilo da ação.
A queixa da paciente foi levada à Polícia Civil, que investiga o médico por ter feito procedimentos no diafragma e pericárdio sem consentimento e por, supostamente, ter deixado sequelas na paciente de 34 anos, que não quis se identificar.
A endometriose afeta uma em cada dez mulheres no mundo e é causado quando o endométrio, tecido que reveste o útero, cresce em outras partes do corpo. A doença causa dores intensas. A cirurgia acontece sob sedação e costuma envolver pequenos cortes cirúrgicos nas regiões afetadas.
No pré-operatório, são pedidos exames clínicos, de imagem e consulta ao histórico médico do paciente antes da assinatura do termo de consentimento. Já o pós-operatório costuma demandar repouso de duas semanas.
A paciente do inquérito passou pela cirurgia com o especialista em 19 de outubro de 2023 para tratar uma endometriose na região pélvica, em uma tentativa de engravidar. Meses depois, afirma ter sentido ainda mais dores.
Segundo o doutor e professor Maurício Simões Abrão, responsável pelo departamento de endometriose da USP (Universidade de São Paulo), o médico deve explorar todos os locais onde possam haver sinais da doença e que o especialista em endometriose tem autoridade para uma intervenção. Isso inclui áreas como o diafragma.
Apesar disso, Abrão afirma que o procedimento deve ser combinado antes. “Tudo depende da conversa no pré-operatório e no termo de consentimento que a paciente assinou”, explica.
Em 2016, o CFM (Conselho Federal de Medicina) recomendou que o termo deveria ser escrito de maneira legível, clara, com indicações de efeitos colaterais, justificativa para determinados procedimentos e um campo para a assinatura do paciente.
O especialista acrescenta que o comprometimento do pericárdio devido à endometriose é menos frequente, mas que o efeito sobre o diafragma não é incomum.
No caso do diafragma, a condição pode ser detectada previamente com a avaliação de sintomas como dores nos ombros durante a menstruação. Segundo ele, também é preciso ponderar se as sequelas do caso estão atreladas ao procedimento extra ou ao próprio processo inflamatório deixado pela doença.
Inicialmente, a mulher que acusa o ginecologista relata que seria operada na região do útero, ovário, trompas e intestino grosso. Até então, se queixava apenas de cólicas pontuais.
Pereira, porém, teria ampliado o escopo e operado uma endometriose no diafragma e pericárdio, membrana que envolve o coração. Segundo a investigação da Polícia Civil, a ação fora do combinado teria gerado uma pericardite, um processo inflamatório do pericárdio.
Segundo Washington Fonseca, advogado especialista em direito médico, o termo de consentimento deve trazer todas as indicações pré e pós-operatórias, além de todos os procedimentos que serão adotados. O documento deve ser assinado previamente.
“A exceção [para fugir do termo] é quando o paciente está em risco iminente risco de morte ou urgência”, diz. O desrespeito ao documento pode gerar um processo ético no conselho médico, uma vez que o termo tem valor jurídico para desencadear uma ação na Justiça, acrescenta.
Na opinião da advogada especialista em direito médico, ética e compliance na saúde Samantha Takahasi, o médico que descobre uma nova situação durante uma cirurgia sem urgência, deve considerar adiá-la ou ponderar se é o caso de coletar o consentimento de um familiar.
“Desde que exista uma justificativa, sempre mediante um juízo de ponderação entre risco versus benefício ao paciente”, diz.
Hoje, a paciente trata da pericardite com especialistas no exterior, mas sem garantia de cura. A defesa da paciente também não quis se pronunciar devido ao sigilo do processo, que segue em andamento.
O ginecologista investigado assina como diretor do Centro de Endometriose do Santa Joana, uma das maternidades particulares mais tradicionais de São Paulo.
O CFM (Conselho Regional de Medicina), responsável por fiscalizar a conduta dos médicos no país, não respondeu os questionamentos até o fechamento da reportagem.
O Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) informa ter aberto uma sindicância para averiguar o caso.
Em nota, o Hospital Albert Einstein, onde a operação aconteceu, afirma que “segue em contato com a paciente e sua família, oferecendo todo o acolhimento necessário” e que “os fatos relatados acerca da conduta do médico estão sendo apurados nas instâncias competentes.”
MARCOS CANDIDO / Folhapress