Religiosa brasileira ganha prêmio global da ONU por defesa de refugiados

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – A irmã Rosita Milesi, 79, gaúcha, ganhou o prêmio global do Acnur, a agência da ONU para refugiados, deste ano.

Natural de Farroupilha, cidade da Serra Gaúcha, e filha de agricultores em uma família de 12 irmãos, a irmã foi laureada pelo prêmio Nansen, criado em 1954 e cuja lista de ganhadores inclui figuras como Angela Merkel, ex-primeira-ministra alemã, escolhida em 2022.

O anúncio oficial foi feito na madrugada desta quarta-feira (9). Antes dela, apenas um outro brasileiro ganhou a premiação: Dom Paulo Evaristo Arns, em 1985, que recebeu a láurea em nome da Cáritas.

A religiosa competiu com cerca de outros 450 indicados ao redor do mundo. Membro da congregação das irmãs Scalabrinianas desde 1964 —aos 9 anos ela passou a estudar na escola da congregação e aos 19 cumpriu seus votos—, a irmã Rosita atua na defesa e no cuidado de refugiados e imigrantes há 40 anos em Brasília.

Ela foi instigada a trabalhar pela primeira vez com o tema em Roma nos anos 1980, época em que atuava nas tarefas de construção de um hospital em Porto Alegre após dez anos de magistério.

Foram as diferentes missões que a congregação a deu, ainda sem saber que a defesa dos refugiados a seguiria por toda a vida. Em Brasília, fundou o Instituto Migrações Direitos Humanos.

Irmã Rosita é formada em direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos de São Leopoldo (RS). “Acho que ali eu já tinha certa rebeldia, queria fazer faculdade”, diz ela à reportagem, em uma conversa por videochamada.

O ensino superior era reservado para as irmãs de idade já mais avançada, e para aquelas que tinham permissão de ir à universidade o curso de direito não era a primeira opção. Mas para ela, foi.

O instituto que fundou presta atenção a refugiados de diversas nacionalidades. A religiosa acompanhou o fluxo de imigrantes sírios em direção ao Brasil para fugir da guerra civil, de venezuelanos que a partir de 2016 começam a conformar uma das maiores diásporas do mundo para fugir da crise socioeconômica, e, mais recentemente, de afegãos que fogem do regime fundamentalista do Talibã.

Também acompanha fluxos de países com dificuldades crônicas que rotineiramente rumam ao Brasil, como aqueles que saem de Cuba e do Haiti ou de Angola.

O instituto também ajuda na gestão da Casa Bom Samaritano, na capital, que recebe famílias de venezuelanos que chegam ao Brasil pela fronteira dos dois países, em Pacaraima (RR), e são interiorizados para outros estados por meio de programas do governo federal. No espaço, onde podem ficar até 90 dias, recebem hospedagem, cursos de português e capacitação técnica e ajuda para conseguir um emprego.

“Temos muitos avanços em favor das pessoas refugiadas e migrantes em termos de documentação e regularização”, diz a irmã Rosita. “Mas temos uma lacuna na integração dessas pessoas, como para conseguir um emprego. Todos esses migrantes têm o desafio de sustentar a família que com eles vem para o Brasil, mas também a família que deixam para trás, em seus países. Precisam trabalhar.”

Também na capital o instituto apoia os imigrantes indígenas warao que partem da Venezuela. O Brasil tem hoje 143 mil pessoas reconhecidas como refugiadas, a maioria delas vinda da Venezuela. Mas há também uma ampla lista de quase 76 mil outros que vivem no país como solicitantes de refúgio, ainda aguardando análise de seus pedidos.

E, se consideradas outras centenas de milhares de pessoas que migram com outros regimes migratórios, mas que também saíram de crises humanitárias, esse número salta para quase 800 mil.

Com essa trajetória, a irmã Rosita Milesi pede que o prêmio Nansen seja entendido como uma láurea não somente a ela, mas também às organizações que a apoiam e aos próprios imigrantes e refugiados com quem se deparou nestes 40 anos.

“Sem eles, não teria chegado até aqui. E, com eles, amadureci, aprendi a ter mais paciência. Sempre quis resolver as coisas rápido. Com os refugiados, entendi que é preciso escutar mais, muitas vezes por muito tempo até que a pessoa consiga falar o sofrimento que está passando.”

MAYARA PAIXÃO / Folhapress

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