(FOLHAPRESS) – “Robô Selvagem”, novo filme da Dreamworks, já impressiona nos primeiros minutos com uma cena para lá de simples. Um robô desperta em um litoral rochoso e aprende rapidamente a escalar a encosta íngreme, evitando que as ondas do mar o esmaguem entre as pedras.
A situação tem algo de insólito, até porque a criatura de metal sobe a ladeira de ladinho, imitando um siri. Mas a sequência fascina mesmo pelo volume de informações, que acontece sem grandes diálogos ainda que o robô, de nome Roz e voz feminina, fale pelos cotovelos.
Em questão de segundos, o filme mostra que Roz está em uma ilha deserta e que ela faz parte de um carregamento de robôs de assistência, despejados ali por acidente. Nada disso é um problema para Roz, que sabe como se adaptar a qualquer situação.
Ou seja, após uma cena rápida de sufoco, “Robô Selvagem” já estabeleceu tudo o que o espectador precisa saber sobre a protagonista e a premissa. Esse exercício de síntese se repete na trama, sempre à base de gestos simples.
Parece uma lógica de outro planeta. Em tempos nos quais os filmes infantis insistem em sublinhar e mastigar a trama, eis que surge um longa disposto a confiar na percepção das crianças com a imagem.
A trama segue nesse embalo, mesmo os diálogos se impondo quando Roz aprende a língua dos animais que encontra. Ela busca um cliente que precise de sua assistência, uma tarefa difícil na natureza selvagem, onde todo animal se vira como pode. Mas ela eventualmente acha um filhote de ganso recém-nascido, que a confunde como a sua mãe e precisa de cuidados.
Então de repente o filme, que começou como um “Robinson Crusoé” futurista, torna-se uma história de mãe e filho, com ambos perdidos no mundo. Roz assume a maternidade sem perceber, no ímpeto de ajudar a ave batizada de Bico-Vivo a se preparar para a migração, dali alguns meses. A programação da máquina é objetiva nas missões de alimentar a ave e ensiná-la a nadar e a voar, mas nisso a sua afeição pelo bicho também cresce.
A relação vira um problema meses depois, quando Bico-Vivo precisa se unir ao bando local de gansos para viajar. Ele é visto com ojeriza pelos pares, que encaram Roz como um estranho. O julgamento enfeza Bico-Vivo, que passa a evitar a robô, que se mantém firme na missão.
Aí nasce a dúvida Roz cuida do ganso porque é a sua tarefa ou por que ama? O filme dirigido por Chris Sanders comete outro ato ousado ao tomar a robô como figura passível de humanidade.
A figura de Roz posa até de ofensa séria frente às discussões atuais, que questionam o avanço da inteligência artificial como uma ameaça. Esse tema incomoda em “Robô Selvagem”, que ora ou outra toma a identidade da personagem como motor da história. Mas ele escapa do problema pela alegoria, até porque é pela fábula que ele investiga a maternidade da robô.
Esse balanço delicado ganha fôlego no estilo da animação, que adota o pictórico e se afasta do realismo. O visual segue a toada recente da Dreamworks, que a partir de “Os Caras Malvados” e “Gato de Botas 2” deixou de lado a sua obsessão pela verossimilhança.
Mas o filme também se afirma sozinho ao trocar o cartunesco dessas obras por um estilo que lembra as pinturas à mão de um livro infantil. Apesar de toda a ação, o filme ganha em momentos singelos, que beiram ao impressionismo nas paisagens e nas cenas íntimas dos personagens.
Mérito de Chris Sanders, animador que como diretor já mostrou várias vezes um talento raro para tornar contos familiares em grandes epopeias de “Lilo e Stitch” a “Como Treinar o seu Dragão”. Esse cuidado dá energia a “Robô Selvagem”, que vez ou outra arrisca se perder em temas demais. A preservação do meio ambiente, por exemplo, chega tarde e um tanto perdida na trama.
Mas o filme nunca perde de vista a relação de Roz e Bico-Vivo, que transforma a história ao destacar os laços de mãe e filho. Em algum momento, a animação passa a ser sobre robô e ganso lutando para se ver de novo, e a trama de desencontros engrossa a narrativa.
Daí o valor da simplicidade engenhosa, porque é por ele que a fábula sobrevive às tantas algazarras de “Robô Selvagem”. Lá pelas tantas, quando Bico-Vivo enfim alça voo e deixa Roz para trás, é difícil segurar as lágrimas. A missão está cumprida, mas o amor entre a robô e o ganso ou mãe e filho continua vivo. Desse enigma vive a história, o filme e quem sabe a própria maternidade.
ROBÔ SELVAGEM
– Avaliação Bom
– Onde Em cartaz nos cinemas
– Classificação Livre
– Produção Estados Unidos, 2024
– Direção Chris Sanders
PEDRO STRAZZA / Folhapress