SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um estudo feito pela organização RMI, antigo Rocky Mountain Institute, apontou que países em desenvolvimento têm implantando mais energia renovável em suas redes elétricas do que as nações ricas, sendo que algumas economias emergentes, inclusive o Brasil, já ultrapassaram as desenvolvidas. A análise leva em conta a porcentagem de crescimento em relação à oferta total, e não a adição absoluta de energia limpa.
A pesquisa mostra que três quartos da demanda de energia das economias em desenvolvimento estão no ‘ponto ideal’ de mudança com base em seu nível de importações de combustíveis fósseis, renda e recursos renováveis disponíveis. O estudo não considera os países petroleiros do Oriente Médio, a Rússia e a China como economias emergentes.
Nas nações emergentes, aponta o estudo, 87% do investimento no setor de energia foi para projetos de energia renovável em 2024, quase o dobro da métrica de dez anos atrás. Além disso, a RMI calculou que a geração de energia solar e eólica cresceu a uma média de 23% ao ano nos últimos cinco anos e, se mantida essa taxa de crescimento, esses países poderão adicionar o mesmo tanto de energia renovável que as nações ricas até 2030.
Segundo os autores da pesquisa, a principal razão para esse avanço é o custo das tecnologias de energia limpa nos últimos anos. O crescimento da oferta acima da demanda, principalmente na China, levou os painéis solares a valores muito abaixo da média habitual de mercado, o que tornou os projetos de energia solar mais rentáveis.
Em agosto, por exemplo, uma placa solar chegou a custar US$ 0,10 por watt em alguns mercados internacionais, segundo a BloombergNEF. Há um ano, esse valor era quase o dobro. Com isso, o preço da energia solar caiu para o mesmo patamar da geração de energia gerada a partir de combustíveis fósseis, sem contar os custos de transporte, apontou a RMI.
“Tudo isso é auxiliado pelo apoio da tecnologia chinesa que os países emergentes aplicaram com sucesso em sua própria economia. Enquanto muitos países do norte global, como Estados Unidos, Canadá e União Europeia, impuseram tarifas sobre a tecnologia chinesa, o sul global não o fez. E vemos o sul global se beneficiando pelo acesso a essa tecnologia”, diz Vikram Singh, CEO da RMI em países em desenvolvimento.
Segundo a organização, a China investiu US$ 100 bilhões em tecnologia limpa desde 2023 e já anunciou capacidade suficiente para suprir toda a demanda dos países emergentes.
Essas economias em desenvolvimento, segundo a pesquisa, estão apenas cinco anos atrás da transição para energia limpa em relação às economias avançadas, com solar e eólica já respondendo por 9% do mix de energia (na América Latina é 13% e na África e Sudeste Asiático, 5%). O Brasil que ainda conta com hidrelétricas registrou o segundo maior aumento anual do mundo em geração eólica e solar em 2023, atrás apenas da China.
Cerca de 70% dos recursos renováveis estão em países emergentes, o que facilita esses países a aumentarem a geração de energia limpa, principalmente em casos como o do Brasil, em que a matriz elétrica é majoritariamente limpa há décadas. Além disso, os recursos renováveis são 400 vezes maior nessas nações do que a atual produção de combustíveis fósseis. Como a demanda por energia nesses países é cinco vezes menor do que em países ricos, atender a demanda energética, portanto, não é uma tarefa distante.
O grande desafio, apontam os autores, é garantir que o excesso de potencial ajude a gerar ganhos econômicos para os países. “É muito importante que os países do sul global não sejam vistos apenas como fontes de produtos ou commodities, mas, na verdade, aproveitem a energia barata e limpa para atuar como um ímã para a fabricação global e os mover para cima na cadeia de valor”, diz Singh.
“E além disso, é claro, o Brasil pode atuar como líder para muitos outros países do sul global e provavelmente exportar sua expertise e conhecimento para outros países do sul global e fazer uma espécie de auto-transferência”, acrescenta Kingsmill Bond, diretor sênior da equipe de estratégia da RMI.
Esse é, aliás, um tema bastante abordado por técnicos dos ministérios de Minas e Energia, Meio Ambiente e Fazenda. O desafio, porém, é garantir que o capital estrangeiro chegue nos mercados emergentes, mais arriscados e inseguros que os de economias desenvolvidas, para fomentar esses projetos.
Como a Folha mostrou em março, só 14% do total de investimentos em finanças climáticas entre 2021 e 2022 foram para mercados emergentes, sem considerar a China, segundo levantamento do grupo de pesquisa Climate Policy Initiative (CPI). Neste contexto, bancos de desenvolvimento atuam como sustentáculo desses países na corrida pela transição energética o BNDES, por exemplo, é a instituição que mais financiou projetos de energia renovável no mundo desde 2004, segundo a BloombergNEF.
Bancos multilaterais, porém, estão aquém. “Não achamos que os bancos multilaterais de desenvolvimento, particularmente o Banco Mundial e o IFC, estejam fazendo o suficiente para movimentar capital para mercados, especialmente os mercados de baixa renda onde precisamos de investimento nessa tecnologia” afirma Singh.
Ele defende também que países ricos ajudem a financiar projetos em países em desenvolvimento, em especial os da África Subsaariana o tópico é um desejo antigo dessas nações e será tratado novamente na COP29, em novembro.
PEDRO LOVISI / Folhapress