SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A implementação de torcida única nos jogos de futebol no estado de São Paulo, em abril de 2016, mudou a dinâmica das brigas entre organizadas, de acordo com especialistas.
No último domingo (27) um cruzeirense foi morto durante uma emboscada realizada por integrantes da Mancha Alviverde, maior uniformizada do Palmeiras, na rodovia Fernão Dias, em Mairiporã, região metropolitana de São Paulo.
Foi a sétima morte envolvendo torcedores no estado nos últimos oito anos. Antes da proibição da torcida única, foram ao menos 21 mortes em decorrência de brigas de torcida no estado de 1988 a 2016.
A regra de torcida única só é válida para os times do estado ou seja, clubes de fora de São Paulo continuam a ter direito a irem ao estádio como visitantes.
Mas mesmos nesses casos, as brigas entre torcidas organizadas tem cada vez mais se afastados dos estádios e acontecido em outros pontos, afirma o advogado Renan Bohus, especialista em torcidas e que chegou a representar integrantes da Máfia Azul (organizada do Cruzeiro).
“Agora as brigas ocorrem em lugares afastado dos estádios sem controle do Estado. De fato reduziu muito o número de brigas, porém, quando ocorrem, são em grande proporção, vide avenida do Estado e Fernão Dias”, disse ele.
A briga da avenida do Estado à qual ele se refere ocorreu em fevereiro de 2023 entre palmeirenses e corintianos.
No caso da emboscada do último domingo, por exemplo, nem mesmo houve partida entre Palmeiras e Cruzeiro. A torcida do clube mineiro retornava do Paraná, onde o time tinha enfrentado o Atlethico-PR, quando sofreu o ataque em São Paulo.
Outros casos recentes também envolveram disputas longe de estádios, inclusive em dias sem jogos entre as equipes.
O corintiano Wallace Tomaz, 29, foi assassinado em janeiro de 2021 no Sacomã, zona sul de São Paulo. Naquele dia Palmeiras e Santos jogaram a final da Libertadores. Antes do jogo, um ônibus com membros da Mancha Alviverde que assistiram ao jogo em um bar se encontrou com corintianos das Gaviões da Fiel. Dois homens estavam armados no coletivo. Um deles atirou e atingiu Tomaz. O atirador foi preso, mas pouco depois foi posto em liberdade.
Em junho de 2022, um são-paulino foi morto por corintianos em Itapevi, na Grande São Paulo. Os alvinegros voltavam de um Corinthians e Santos em Itaquera, zona leste, quando encontraram os torcedores do São Paulo. Houve um confronto com barras de ferro.
Um outro torcedor foi assassinado em julho de 2017. Leandro de Paula Zanho, 38, havia deixado o Allianz Parque após assistir em um bar ao jogo Palmeiras e Corinthians quando se envolveu em uma confusão na rua General Olímpio da Silveira, na Santa Cecília, centro de São Paulo. O palmeirense estava dentro de um carro parado no trânsito quando viu corintianos que estavam na porta de uma borracharia. Ele foi esfaqueado e morreu.
Na avaliação de Bruno Langeani, consultor do Instituto Sou da Paz, seria natural que torcedores violentos buscassem estratégias para se adaptar a uma restrição e continuar criando oportunidades de emboscar e atacar torcedores rivais.
“A política da torcida única pode ser útil para reduzir recursos de segurança dentro e nos arredores dos estádios, mas não ataca o foco do problema”, diz ele. “As melhores políticas de redução de violência de estádios, como ocorreu na Inglaterra, demandam muito trabalho de inteligência no monitoramento de lideranças e respostas rápidas e decisivas dos envolvidos em violência, como banimento do estádio e obrigação de comparecer em dias de jogos perante a polícia.”
Na última terça (29), a reportagem procurou o promotor Paulo Castilho, do Ministério Público, para que comentasse os episódios de violência entre torcidas, mas até este domingo (3) não recebeu retorno.
O torcedor do Cruzeiro morto foi identificado como José Victor Miranda, 30. Ele era integrante da Máfia Azul, que em setembro de 2022 havia entrado em confronto com a própria Mancha na mesma rodovia, mas em solo mineiro. Naquele dia cruzeirenses seguiam para Campinas (SP) onde jogariam contra a Ponte Preta pela série B. O Palmeiras enfrentaria o Atlético-MG em Belo Horizonte.
Apesar da mudança, também há casos de mortes próximas a estádios nos últimos anos. A morte mais recente envolvendo torcedores havia ocorrido em setembro do ano passado, após a final da Copa do Brasil entre São Paulo e Flamengo as organizadas de ambas são aliadas.
Rafael dos Santos Tarcelio Garcia, 32, foi morto com um tiro disparado por um policial militar durante uma confusão no entorno do estádio do Morumbis. O empacotador de supermercado foi atingido por um tiro de bean bag, uma munição teoricamente menos letal, na parte posterior da cabeça. O caso segue pendente de uma definição.
Dois meses antes, a vítima foi a palmeirense Gabriela Anelli Marciano, 23. A jovem estava no entorno do estádio Allianz Parque, próxima da entrada da torcida flamenguista, quando foi atingida por estilhaços de vidro de uma garrafa no pescoço. Um flamenguista, suspeito de atirar o objeto, foi preso.
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PAULO EDUARDO DIAS / Folhapress