Ministério não estava no meu script, mas não fujo de desafios, diz Macaé Evaristo em conversa com servidora

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – É Macaé Evaristo, 59, quem quebra o gelo e faz Paloma Fernandes Santana, 31, ficar à vontade no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, em Brasília.

As duas usam calças azul-marinho e blusas de uma cor que vira tema de discussão de todos na sala, até que a ministra decreta:

“É terracota.”

Com uma fila de pessoas à sua espera na antessala do gabinete, a ministra define aquele como “o melhor momento” do seu dia. Paloma, psicóloga e especialista em desenvolvimento e assistência social da Secretaria da Mulher do Distrito Federal, diz que passou os dias anteriores a imaginar o que falaria na conversa com Macaé.

As duas se encontraram a convite da Folha de S.Paulo para a série Na real, inspirada no Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro. A proposta era discutir o que é ser mulher e negra no serviço público brasileiro.

A série será publicada semanalmente durante o mês de novembro, nos dias 12, 19 e 26. Nos outros três episódios da série, haverá encontros –e diálogos– entre profissionais do mercado financeiro, especialistas em recrutamento e desempregados, e CEO e pequena empreendedora.

“Esse [cargo no] Ministério não estava inicialmente no meu script, mas eu também não sou de fugir dos desafios”, afirma Macaé.

Ela contou a Paloma considerar ter sido forçada a entrar na política, ao ver o que considerou uma injustiça: o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016.

Foi eleita vereadora de Belo Horizonte em 2018 e deputada estadual em Minas Gerais dois anos mais tarde.

Fez parte do governo de transição do presidente Lula, que tomou posse em 2023, e escolhida para substituir Silvio Almeida, demitido do Ministério dos Direitos Humanos sob suspeita de assédio sexual, em setembro passado.

“Belo Horizonte transformou a minha vida, porque fui trabalhar na periferia, em região de menor IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] da cidade. Muita pobreza, muita fome e muita população vivendo debaixo de lona. Comecei a ir, como professora, aos movimentos comunitários, às lutas de associações”, lembra a ministra, nascida em Gonçalo do Pará, interior do estado.

É uma trajetória diversa da vivida por Paloma, que foi para o serviço público porque uma amiga a avisou de concurso do governo do Distrito Federal. Sentiu-se atraída porque seria para trabalhar na Secretaria da Mulher. Desde então, se dedica especialmente a mulheres em situação de vulnerabilidade.

“É impossível você trabalhar com desenvolvimento de pessoas sem ter uma portinha aberta ali para o seu próprio desenvolvimento. Eu tinha como premissa também atuar em uma área essencial como essa. Eu sou movida por um propósito de vida”, diz a psicóloga, sobre a questão da vulnerabilidade.

As duas enxergam o serviço público como criar oportunidades.

Macaé Evaristo se acostumou a abrir caminhos, já que é de uma geração diferente da de Paloma, quando havia muito menos espaço para uma pessoa negra. Já a psicóloga vê sua tarefa como a de alguém que precisa usar sua posição pública para auxiliar mulheres. Um caso acontecido no dia anterior no Distrito Federal, de estupro ocorrido em uma passarela de pedestres, a deixa abalada.

“Essa pauta da mulher é muito importante para toda a sociedade. A gente precisa levar esse assunto para além da sala de aula, debater em casa, no restaurante, no barzinho com os amigos em momento descontraído. Essa pauta precisa ser normalizada porque está conectada ao desenvolvimento, está conectada a tudo”, explica.

“Eu sempre participei muito do movimento negro e a gente pensava o tempo todo na nossa inserção na sociedade de maneira mais ampla e com uma discussão sobre [o papel das] mulheres”, completa Macaé.

Não que as duas concordem sempre em questões raciais, dentro ou fora do serviço público. Em boa parte, a divergência é geracional.

“Antes de pensar em ser negra, eu penso em ser pessoa e entendo, claro, que a gente não pode deixar de falar sobre isso [a questão racial]. Eu compreendo toda a trajetória [dos negros e negras no Brasil], todo o histórico, mas eu sempre faço o paralelo do ser mulher negra com o machismo porque há coisas que estão impregnadas e estão no cotidiano das pessoas. Então, vejo que preciso provar a mim mesma enquanto pessoa, enquanto mulher e enquanto mulher negra”, opina Paloma.

A ministra a escuta, presta atenção e diz compreender a visão de mundo. Mas vê a questão de maneira diferente.

“Eu gosto de te ouvir porque você é de outra geração. Eu olho para você e quero saber o que a juventude negra tem pensado. Na minha geração, uma mulher negra ser professora… Já estava escrito que seria impossível. Então, na minha família, o racismo sempre foi um debate muito presente. Minha mãe foi recusada em escolas por ser negra”, lembra Macaé.

“A gente tem como script a nossa desumanização. Eu dialogo com a juventude e vejo o quanto a gente trabalhou pouco [neste assunto]. Uma pauta aqui no ministério é o direito à memória e à verdade, é contra o apagamento da memória do que foi a escravidão negra e o que foi isso no Brasil. Isso faz com que a juventude esteja mais distante desse processo.”

As duas continuam a trocar ideias mesmo depois de o tempo combinado na agenda da ministra ter acabado. Nem olham o relógio.

“Quero sempre manter esse tipo de diálogo. E se eu pudesse te dar um conselho, é gostar do que faz e se aproximar do serviço público participando de bons projetos. Ter esperança é muito duro, mas, ao mesmo tempo, é possível a gente se organizar e perceber que não está sozinha”, completa a ministra.

“É tanta correria no dia a dia, são tantas coisas de temas específicos, temos tantos projetos para colocar em prática que a gente, muitas vezes, perde a essência daquilo que é importante. Estava pensando nisso quando vinha para cá”, diz Paloma.

A psicóloga não reage quando Macaé Evaristo ressalta que se policia para contratar mulheres negras para cargos de gestão porque sempre recebe mais currículos de homens do que de mulheres.

Paloma não diz nada e abraça a ministra na despedida. É quando sai do gabinete que comenta sobre a tentação que sentiu de perguntar como fazer para mandar um desses currículos.

ALEX SABINO / Folhapress

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