Velório de Ryan, 4, tem cerco e protesto, e tensão entre PM e moradores sobe em Santos

SANTOS, SP (FOLHAPRESS) – O velório de Ryan da Silva Andrade Santos, 4, morto em ação da Polícia Militar, foi encerrado na manhã desta quinta-feira (7) com uma procissão de carros e motos pelas ruas do Morro São Bento, em Santos, no litoral paulista.

O ato foi acompanhado por policiais do Batalhão de Choque da PM, que chegou a impedir a passagem do cortejo por alguns minutos em meio a ofensas entre moradores e policiais.

Ryan foi baleado na noite de terça (5) enquanto brincava com outras crianças na rua perto de casa no bairro. Dois adolescentes, de 17 e 15 anos, que passavam numa moto a alguns metros de distância também foram alvos de tiros. O mais velho morreu e o mais novo está hospitalizado sob escolta.

Antes mesmo que a carreata saísse do velório, uma viatura da PM se posicionou no pé do morro, numa rua que dá acesso ao bairro onde Ryan morava e por onde a família planejava passar com o cortejo.

Eles acabaram dando passagem aos veículos após os pedidos da família. Imagens mostram policiais do Choque fora das viaturas portando fuzis enquanto a carreata passava. Eles estavam posicionados próximo à rua onde o menino morreu.

Vídeos mostram o momento em que a carreata é bloqueada e também quando, minutos depois, os PMs entram na viatura e liberam o caminho. Integrantes do cortejo fúnebre buzinaram e moradores soltaram um rojão próximo ao carro da polícia nesse momento. Nas imagens é possível ver moradores chamando os policiais de “lixo” durante o bloqueio.

Alunos, professores e funcionários da Escola Estadual Deputado Emílio Justo assistiram a carreata enfileirados em frente ao colégio. A mãe de Ryan, Beatriz da Silva Rosa, trabalha na escola.

No cemitério da Areia Branca, ao som dos fogos de artifício, crianças que eram amigas de Ryan soltaram balões brancos no céu. Aos gritos, moradores do São Bento pediam justiça.

A Polícia Militar afirmou, por meio de nota, que vai analisar as denúncias e que “as ações de patrulhamento preventivo e ostensivo na região foram intensificadas desde a última terça (5)”.

José Vicente da Silva, coronel reformado da PM e especialista em segurança, afirma estranhar a presença dos policiais no local, mas avalia que não seja irregular.

“Não vejo motivos para a PM estar lá. Se fosse por solidariedade, normalmente seria algum comandante e não um policial de rua. Acho estranho, mas não vejo irregularidade. Não acredito na possibilidade que tenham ido para intimidar. A polícia faz patrulhamento onde há possibilidade de problemas. Num local como esse não vejo que tipo de questão poderia exigir policiamento”, afirmou à reportagem.

No âmbito das estatísticas, o espiral de violência na Baixada Santista possui duas situações distintas. Se por um lado os índices criminais como homicídios, latrocínios, roubos e furtos registraram queda na área do Deinter 6, responsável por 24 cidades, os números da violência policial explodiram.

Conforme dados da Secretaria de Segurança Pública, houve queda de 25% na quantidade de roubos (passou de 10.663 para 7.995) e 5% nos furtos (passou de 4.925 para 4.361) no comparativo entre janeiro a setembro deste ano com mesmo período de 2023.

Os homicídios dolosos (com intenção de matar) se mantiveram estáveis, passando de 109 para 108 vítimas. Já os policiais em serviço foram responsáveis por 28 mortes entre janeiro a setembro de 2023 ante 55 homicídios no mesmo período atual.

VELÓRIO TEVE BATE-BOCA ENTRE OUVIDOR E SARGENTO

O enterro do menino Ryan terminou com uma discussão entre o ouvidor das polícias de São Paulo, Cláudio Aparecido da Silva, políticos e representantes de entidades de defesa dos direitos, de um lado, e homens da Força Tática da Polícia Militar, de outro.

A confusão começou quando pessoas que participavam do enterro viram uma viatura da Força Tática estacionar em frente à entrada do cemitério. Na sequência, os agentes abordaram um homem que guiava uma motocicleta sem placa. O ouvidor e outras pessoas foram até a equipe policial para questionar a ação.

No bate-boca entre o ouvidor das polícias e o comandante da equipe, sargento Ailton, eles discutiram a abordagem em frente ao cemitério e a ação da PM ao longo da manhã.

“Eu acredito que a Polícia Militar do Estado de São Paulo existe para ajudar as pessoas, mas nesse momento a polícia não está ajudando ninguém aqui”, disse Claudio ao sargento. “O senhor sabe que não está.”

O sargento Ailton fez uma espécie de mea-culpa, dizendo ao grupo que sentia pesar pela morte de Ryan e que também tem filhos.

A atuação da polícia foi mencionada pelo ouvidor ao longo da discussão. “Colocar uma viatura na porta do velório de uma criança que morreu com um tiro de fuzil da polícia?”, questionou.

A deputada estadual Paula Nunes (PSOL) também abordou os policiais, pedindo justificativas para a abordagem. Um dos PMs pediu que ela e outras pessoas do grupo se afastassem.

Na quarta (6), a deputada questionou o secretário estadual de Segurança Púbica, Guilherme Derrite, sobre a ação que terminou com a morte do menino de 4 anos e do adolescente de 17. Derrite respondeu que ela fazia “vitimismo barato” com a morte da criança.

Além das abordagens no Morro São Bento, a reportagem viu viaturas de outros batalhões entrarem e saírem do cemitério antes e depois do enterro.

Já a família de Gregory Ribeiro Vasconcelos, 17, fez seu enterro sem velório, sem o cortejo que havia planejado pelo bairro onde ele morou e sem vê-lo dentro do caixão.

O velório foi cancelado devido às condições precárias de conservação do corpo. Familiares e amigos disseram que ele ficou fora do refrigerador durante mais de 24 horas. Além disso, contam que um dos tiros o atingiu no rosto, o que já impediria uma cerimônia com o caixão aberto.

A Polícia Militar afirma que Gregory e o outro adolescente que estava na moto atiraram contra agentes da Rocam (Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas), que teriam revidado o ataque. Família e moradores negam essa versão. Dizem que os dois adolescentes foram abordados por estarem andando em alta velocidade sem capacete numa área de favela.

TULIO KRUSE / Folhapress

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