SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Justiça aceitou denúncia contra dois policiais militares da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) pela morte de um homem durante a Operação Verão em Santos, no litoral paulista, em 10 de fevereiro deste ano. Trata-se da quarta denúncia de crime nas operações feitas em resposta ao assassinato de PMs na Baixada Santista durante o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), e a primeira relacionada a uma ocorrência de 2024.
O tenente Diogo Souza Maia e o cabo Glauco Costa tornaram-se réus pela morte de Allan de Morais Santos, 36, que estava dentro de um carro quando foi seguido e cercado por viaturas da Rota. Promotores do Ministério Público estadual dizem que as circunstâncias do caso “indicam a alteração da cena dos fatos, consistentes em simular um confronto com a vítima e o encontro de um fuzil”.
A reportagem pediu um posicionamento sobre o caso à SSP (Secretaria de Segurança Pública) na manhã desta terça-feira (26), mas não recebeu resposta até a publicação deste texto.
Allan morreu com ao menos seis tiros, entre disparos de pistola e fuzil. A denúncia foi baseada principalmente nas imagens das câmeras corporais dos PMs, que mostram vários momentos em que as gravações são bloqueadas. Os policiais também se posicionam de costas para a cena do crime, deixando de filmar os momentos em que armas e uma cápsula teriam sido posicionadas na cena.
As imagens não mostram Allan no momento em que ele foi alvejado, portanto não há registro de que ele estivesse com a arma na mão. A pistola atribuída a ele aparece aparece pela primeira vez no chão, quando o corpo de Allan já está caído dentro do carro.
Uma das câmeras foi acionada para gravar som e geolocalização apenas cerca de meia hora após o momento dos disparos. A maior parte das gravações ocorreu de forma automática, sem que os PMs acionassem os botões para aumentar a qualidade do vídeo, o que é exigido pelas normas da corporação.
O tenente Maia estava com a câmera descarregada no momento da ação. Uma das gravações mostra quando ele se aproxima do corpo, menos de um minuto após a polícia atirar contra ele. Uma das câmeras teria captado, nesse momento, o som do disparo da pistola atribuída a Allan.
Segundo a denúncia, esse procedimento serviu para simular um confronto. A arma aparece nas gravações cerca de 20 segundos depois. Além disso, uma cápsula encontrada dentro do carro, de acordo com os promotores, “não estava no veículo imediatamente após o suposto confronto, sendo colocada em momento posterior”.
Os promotores afirmam que, ao todo, sete viaturas participaram da ocorrência o que não consta no boletim de ocorrência. Parte das viaturas teria sido usada para cercar o carro de Allan quando ele já estava morto e bloquear o momento em que um fuzil teria sido colocado no porta-malas do carro, segundo a denúncia.
Uma gravação mostra que o compartimento já havia sido inspecionado sem que nada tivesse sido encontrado, segundo a denúncia. “Embora a primeira revista não tenha encontrado nada de ilícito, passados aproximadamente 14 minutos, o acusado Glauco Costa, por volta das 18h01min55s, realizou uma segunda, quando, então, encontrou um fuzil”, diz o documento do MPSP.
“Todos os policiais da viatura adotaram condutas que impossibilitaram a devida captação das imagens pelas câmeras portáteis”, dizem os promotores. “Quem não obstruiu por iniciativa própria, foi alertado para que a câmera fosse bloqueada”, dizem os promotores.
A denúncia traz a imagem de um policial colocando a mão na frente da câmera no peito de um colega.
Dois dos quatro PMs que integravam a equipe policial não foram denunciados. A denúncia diz que não é possível provar que eles colaboraram com a fraude na cena do crime. O juiz determinou que o tenente Maia e o cabo Glauco sejam afastados de suas funções operacionais externas.
À época da morte, Allan foi identificado pela polícia com a alcunha de “Príncipe do crime” e sobrinho de uma liderança do grupo criminoso PCC. O inquérito policial mostra que ele tinha uma condenação por tráfico de drogas e duas denúncias por homicídio, entre 2005 e 2007.
Em depoimento, a mulher de Allan disse que ele havia deixado o crime após cumprir pena.A defesa apresentou documentos mostrando que ele trabalhava como roupeiro num clube de futebol. “Ele foi retratado como um criminoso perigoso, o que não procede”, disse a advogada Letícia Giribelo, que defende a família. “Era alguém que estava tentando reconstruir a própria vida.”
O caso ocorreu oito dias após a morte do soldado Samuel Wesley Cosmo, companheiro de batalhão dos dois PMs envolvidos. A morte de Cosmo deu início ao período de maior letalidade nas ações da polícia na Baixada Santista em ao menos 11 anos.
Oficialmente, a Operação Verão deixou um saldo de 56 mortos na região. Somando-se três operações do gênero que ocorreram na Baixada Santista desde julho do ano passado, chega-se ao saldo oficial de 93 mortos pela polícia. Se considerados todos os casos em que a PM matou nas cidades da região, inclusive quando agentes estavam de folga, foram 110 mortes.
TULIO KRUSE / Folhapress