PMs da Rota viram réus por suspeita de simular confronto durante Operação Verão

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Justiça aceitou denúncia contra dois policiais militares da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) pela morte de um homem durante a Operação Verão em Santos, no litoral paulista, em 10 de fevereiro deste ano. Trata-se da quarta denúncia de crime nas operações feitas em resposta ao assassinato de PMs na Baixada Santista durante o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), e a primeira relacionada a uma ocorrência de 2024.

O tenente Diogo Souza Maia e o cabo Glauco Costa tornaram-se réus pela morte de Allan de Morais Santos, 36, que estava dentro de um carro quando foi seguido e cercado por viaturas da Rota. Promotores do Ministério Público estadual dizem que as circunstâncias do caso “indicam a alteração da cena dos fatos, consistentes em simular um confronto com a vítima e o encontro de um fuzil”.

Questionada, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) informou que o caso foi investigado num Inquérito Policial Militar, que foi encaminhado à Justiça. “Os policiais envolvidos na ocorrência permanecem afastados do serviço operacional até o final do processo”, disse a secretaria. “Todos os casos de Morte em Decorrência de Intervenção Policial são rigorosamente investigados pelas forças de segurança, com acompanhamento das respectivas Corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário.”

Allan morreu com ao menos seis tiros, entre disparos de pistola e fuzil. A denúncia foi baseada principalmente nas imagens das câmeras corporais dos PMs, que mostram vários momentos em que as gravações são bloqueadas. Os policiais também se posicionam de costas para a cena do crime, deixando de filmar os momentos em que armas e uma cápsula teriam sido posicionadas na cena.

As imagens não mostram Allan no momento em que ele foi alvejado, portanto não há registro de que ele estivesse com a arma na mão. A pistola atribuída a ele aparece aparece pela primeira vez no chão, quando o corpo de Allan já está caído dentro do carro.

Uma das câmeras foi acionada para gravar som e geolocalização apenas cerca de meia hora após o momento dos disparos. A maior parte das gravações ocorreu de forma automática, sem que os PMs acionassem os botões para aumentar a qualidade do vídeo, o que é exigido pelas normas da corporação.

O tenente Maia estava com a câmera descarregada no momento da ação. Uma das gravações mostra quando ele se aproxima do corpo, menos de um minuto após a polícia atirar contra ele. Uma das câmeras teria captado, nesse momento, o som do disparo da pistola atribuída a Allan.

Segundo a denúncia, esse procedimento serviu para simular um confronto. A arma aparece nas gravações cerca de 20 segundos depois. Além disso, uma cápsula encontrada dentro do carro, de acordo com os promotores, “não estava no veículo imediatamente após o suposto confronto, sendo colocada em momento posterior”.

Os promotores afirmam que, ao todo, sete viaturas participaram da ocorrência —o que não consta no boletim de ocorrência. Parte das viaturas teria sido usada para cercar o carro de Allan quando ele já estava morto e bloquear o momento em que um fuzil teria sido colocado no porta-malas do carro, segundo a denúncia. O carro de Allan teria ficado cercado por quatro viaturas por cerca de 20 minutos.

Uma gravação mostra que o compartimento já havia sido inspecionado sem que nada tivesse sido encontrado, segundo a denúncia. “Embora a primeira revista não tenha encontrado nada de ilícito, passados aproximadamente 14 minutos, o acusado Glauco Costa, por volta das 18h01min55s, realizou uma segunda, quando, então, encontrou um fuzil”, diz o documento do MPSP.

“Todos os policiais da viatura adotaram condutas que impossibilitaram a devida captação das imagens pelas câmeras portáteis”, dizem os promotores. “Quem não obstruiu por iniciativa própria, foi alertado para que a câmera fosse bloqueada”, dizem os promotores.

A denúncia traz a imagem de um policial colocando a mão na frente da câmera no peito de um colega.

Dois dos quatro PMs que integravam a equipe policial não foram denunciados. A denúncia diz que não é possível provar que eles colaboraram com a fraude na cena do crime. O afastamento do tenente Maia e do cabo Glauco de suas funções operacionais foi determinado pela Justiça.

À época da morte, Allan foi identificado pela polícia com a alcunha de “Príncipe do crime” e sobrinho de uma liderança do grupo criminoso PCC. O inquérito policial mostra que ele tinha uma condenação por tráfico de drogas e duas denúncias por homicídio, entre 2005 e 2007.

Em depoimento, a mulher de Allan disse que ele havia deixado o crime após cumprir pena.A defesa apresentou documentos mostrando que ele trabalhava como roupeiro num clube de futebol. “Ele foi retratado como um criminoso perigoso, o que não procede”, disse a advogada Letícia Giribelo, que defende a família. “Era alguém que estava tentando reconstruir a própria vida.”

O caso ocorreu oito dias após a morte do soldado Samuel Wesley Cosmo, companheiro de batalhão dos dois PMs envolvidos. A morte de Cosmo deu início ao período de maior letalidade nas ações da polícia na Baixada Santista em ao menos 11 anos.

Oficialmente, a Operação Verão deixou um saldo de 56 mortos na região. Somando-se três operações do gênero que ocorreram na Baixada Santista desde julho do ano passado, chega-se ao saldo oficial de 93 mortos pela polícia. Se considerados todos os casos em que a PM matou nas cidades da região, inclusive quando agentes estavam de folga, foram 110 mortes.

TULIO KRUSE / Folhapress

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