‘Baby’ é clichê ao tratar de pessoas LGBTQIA+ e suas famílias informais

FOLHAPRESS – O filme “Baby” tem por protagonista um rapaz de 18 anos, um “bebê” desde sempre maltratado pela vida, mas que finalmente pode decidir por conta própria seu destino após se tornar maior de idade.

Wellington é um homossexual pobre, pardo, de família ausente, e como não teve muito estudo, sua maioridade não lhe traz muitas opções a seguir que não seja a prostituição ou o narcotráfico. E é justamente se fazendo valer de seu aspecto físico juvenil que ele escolhe Baby para ser seu nome de luta, nas duas funções.

Em um cinema pornô do centro de São Paulo, ele conhece Ronaldo, michê quarentão que inicia com ele uma relação tanto amorosa quanto paternal. É um filme sobre gente socialmente escanteada, que não tem relevância aos endinheirados a não ser por suas prestações sexuais ou por servirem de provedores de drogas.

Dirigido por Marcelo Caetano, o filme se alinha entre diversas produções de uma filmografia contemporânea que se poderia chamar de “cinema de afetos”. Ou seja: sobre personagens tradicionalmente rejeitados pela sociedade, por questões sexuais, raciais, econômicas ou de gênero, mas que toda uma parcela de jovens cineastas mostra fora do papel exclusivamente de vítimas, preferindo enfocá-los como grupos resistentes.

E que necessitam de uma rede afetiva, em geral composta por pessoas igualmente marginalizadas, para conseguir superar os preconceitos e mesmo a fúria de uma sociedade conservadora e elitista.

No caso de “Baby”, essa rede pode existir tanto no grupo de LGBTQIA+ da praça da República, que no intervalo entre apresentações de “voguing” invade cinemas pornôs para roubar pertences dos homens que vão ali para fazer pegação.

E há também a família informal de Baby, formada por Ronaldo, seu filho, sua ex-mulher e a namorada dela. A família que não é sanguínea, mas organizada por pessoas que possuem um sentimento mútuo de compreensão da própria situação marginal, de que são párias sociais.

É sempre muito bonito e importante ver o cinema reafirmar esses laços afetivos, mas a verdade é que, de algum tempo para cá, isso deixou de ser um gesto de coragem política e se tornou uma espécie de tônica do cinema queer nacional (e mundial, diga-se).

Moralmente, filmes como “Baby” são inatacáveis, mas artisticamente, denotam um certo cansaço estético e uma ardilosa automanutenção dentro de uma redoma identitária que, em outros tempos, denotava rebeldia, mas que há anos vem se tornando uma zona de conforto. Quando não um clichê.

E o filme tem um problema relativamente comum a diretores que se encantam em demasia com seus musos —e que Caetano já havia demonstrado em seu longa anterior, “Corpo Elétrico”, de 2017. Ele passa a acreditar que todos os espectadores terão pelo protagonista o mesmo nível de encantamento e admiração que o cineasta possui.

João Pedro Mariano, que interpreta Wellington, é um rapaz bonito e carismático, mas Caetano o utiliza no filme como se fosse simplesmente irresistível, unânime em seu poder de sedução. A ponto de praticamente cegar o diretor para outros pontos do filme que talvez merecessem mais empenho.

Por exemplo: existe um aspecto um bocado confuso —até reprovável— no que se pretende como uma postura política do filme. Tomemos a cena da invasão do cinema pornô pelo grupo queer. Eles entram sem pagar, roubam os clientes, e o filme mostra o ato como um gesto saudavelmente subversivo.

Mas o problema é que, dentro daquele cinema de quinta categoria, estavam homens provavelmente tão desvalidos como eles próprios —bichas velhas, pobres, incapazes de conseguir exercer sua sexualidade fora daquele escuro.

O lacre dos ladrões é feito em cima de pessoas que estão no mesmo barco que eles, com a desvantagem de precisarem pagar se quiserem fazer sexo. É um desvalido prejudicando outro desvalido, mas julgando-se uma grande ameaça ao patriarcado —quando sequer faz cócegas ao status quo.

O filme seria bem mais revolucionário se nos mostrasse mais essas pessoas que vivem às sombras, nos cinemas pornôs imundos de centro de cidade. Faz isso de maneira muito superficial —a filmografia queer está ainda em grande falta com as “bichas velhas”, ou mesmo com as que mal entraram na meia idade.

E Caetano tinha à mão uma excelente oportunidade de explorar melhor um personagem assim: Ronaldo, interpretado com brilho por Ricardo Teodoro.

É uma figura importante no longa, mas que não parece suficientemente desenvolvida, o que nos faz pensar em uma grande oportunidade desperdiçada. Talvez o filme tivesse mais novidade, e fosse de fato subversivo, se Ronaldo fosse o protagonista —e, em vez de “Baby”, se chamasse “Daddy”.

BABY

– Avaliação Regular

– Quando Estreia nos cinemas na quinta (9)

– Classificação 16 anos

– Elenco João Pedro Mariano, Ricardo Teodoro, Luiz Bertazzo

– Produção Brasil, 2024

– Direção Marcelo Caetano

BRUNO GHETTI / Folhapress

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