No coração da Vila Mariana, na zona sul de São Paulo, o antigo prédio do DOI-CODI, centro de detenção e tortura durante a ditadura militar, volta a ser escavado. Sob o chão do terreno localizado na rua Tutóia, arqueólogos buscam vestígios do passado para reconstruir, peça por peça, uma parte da história recente do país.
As escavações integram a segunda fase do projeto coordenado pelo professor Andres Zarankin, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele explica que a primeira etapa, realizada em 2023, já havia revelado mais de 800 fragmentos ligados ao cotidiano do local. “Agora ampliamos o trabalho, com trincheiras que permitem aprofundar e recuperar mais material para entender o funcionamento do DOI-CODI”, contou à NovaBrasil.
Objetos que contam histórias silenciadas
Entre os achados, estão frascos de tinta para digitais da década de 1960, roupas e fragmentos de vidro e louça, sinais do dia a dia de quem viveu e trabalhou ali. As paredes também guardam inscrições deixadas por presos políticos. “Encontramos almanaques e mensagens feitas pelos prisioneiros”, relata Zarankin.
O projeto reúne equipes da UFMG, Unicamp e Unifesp, que atuam de forma integrada. A Unifesp, por meio da arqueologia forense, busca traços de matéria orgânica e sangue, enquanto a Unicamp cuida da arqueologia pública, com visitas e oficinas abertas a escolas e professores.
Passado que insiste em ser lembrado
Para o professor, compreender o passado é essencial diante da atual confusão sobre o que foi o regime militar. “Há quem peça liberdade pedindo ao mesmo tempo um golpe de Estado. Conhecer a história é fundamental para superar de vez esse tipo de contradição”, afirma.
As escavações acontecem justamente quando se completam 50 anos do assassinato de Vladimir Herzog, jornalista morto nas dependências do DOI-CODI. “O passado incomoda, à esquerda e à direita, e isso dificulta a transformação do espaço em memorial”, diz Zarankin.
O espaço que pede por um memorial
Apesar de um decreto antigo já prever a criação do memorial, o projeto segue parado. Enquanto isso, a antiga casa que integrava o complexo, onde viveu o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, continua sendo um símbolo da contradição. “Ele passava dias com a família ao lado de um local de tortura e morte. Isso mostra o nível de alienação em que vivíamos”, conclui o pesquisador.
É possível visitar, basta se inscrever pelo perfil @arqueodoicodisp, no Instagram. Ali, o público encontra horários e informações sobre as atividades e pode participar das visitas guiadas ao espaço que um dia foi sinônimo de medo, e que hoje tenta se transformar em lugar de memória.



