Zanin terá que enfrentar ‘dilema de Moro’ caso se torne ministro do STF

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Caso o advogado Cristiano Zanin Martins se torne ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) terá que enfrentar o dilema de seu desafeto, o ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União Brasil-PR), e analisar se irá se declarar suspeito de atuar em processos dos quais construiu uma imagem pública como adversário.

Moro, apesar de insistentes pedidos de Zanin nos casos relacionados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não fez isso e acabou vendo suas decisões anuladas pelo Supremo sob acusação de ser parcial.

Zanin é o favorito entre os cotados para serem indicados à vaga do ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou na terça-feira (11), um mês antes de completar 75 anos.

Procurado pela Folha sobre a possibilidade de se declarar suspeito em processos da Lava Jato caso se torne ministro, o advogado do presidente Lula e de outros acusados em ações da operação não se manifestou.

O tema da suspeição tem sido levantado, inclusive, por pessoas próximas ao presidente Lula, que apontam que estrategicamente seria ruim indicar Zanin à primeira vaga na corte, já que a princípio ele ocuparia um posto na Segunda Turma, que julga casos da Lava Jato.

Além disso, há ações relacionadas à Lava Jato nas quais Cristiano Zanin terá, por força legal, que se declarar impedido por ter atuado nelas.

Uma delas estava sob responsabilidade de Lewandowski, que, a pedido de Zanin, trancou ações contra Lula sob o argumento de que havia provas contaminadas.

O sucessor do ministro normalmente herdaria esse processo, mas caso seja o advogado ele estará impedido.

A ação trata dos sistemas Drousys e MyWebDay da Odebrecht, respectivamente de comunicação interna e de contabilidade e controle de pagamentos de vantagens indevidas.

Nesse processo, já existem ao menos 60 pedidos de extensão de alvos da operação -para que o benefício a Lula seja estendido para outras pessoas. Em parte dos casos, já houve decisões de Lewandowski, em outras, não.

De acordo com a lei, um magistrado é impedido de julgar processos nos quais ele, seu cônjuge ou um parente tenham atuado –ele é sócio da esposa, Valeska Teixeira, em seu escritório.

Caso Zanin se torne ministro, o processo relativo ao Drousys terá que ser sorteado para outro magistrado. Na Segunda Turma do Supremo, compõem o grupo os ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques e André Mendonça.

Em tribunais superiores, Zanin atua ou atuou em ações nas quais defende também empresas como as Americanas e o grupo J&F, dos irmãos Batista, partidos como o PT, políticos como o governador Paulo Dantas (MDB-AL) e acusados da Lava Jato.

A dúvida a respeito de Zanin está mais relacionada à questão da suspeição do que em relação ao impedimento.

Um juiz deve se declarar suspeito se, por exemplo, for amigo íntimo ou inimigo capital de uma das partes. As partes de processos, como advogados e Ministério Público, também podem pedir impedimento ou suspeição.

Nesse caso, a avaliação é mais subjetiva e caberia, inicialmente, ao próprio Zanin analisar se a sua proximidade com Lula o tornaria suspeito de atuar em eventuais ações que envolva o presidente.

Com integrantes da Segunda Turma ainda há dezenas de processos relacionados à Lava Jato, muitos deles paralisados por pedidos de vista (mais tempo para análise).

Durante a sua carreira como advogado de Lula, Zanin ficou conhecido por questionar a imparcialidade dos juízes que julgavam as ações contra o presidente, muitas vezes apontando o que considerava serem relações suspeitas.

É o caso do próprio Moro e da juíza Gabriela Hardt, substituta da 13ª Vara Federal de Curitiba, e dos juízes do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) João Pedro Gebran Neto e Carlos Thompson Flores.

Contra Gebran, por exemplo, Zanin pediu a suspeição porque, entre outros motivos, considerava que ele tinha “clara amizade” com Moro. Já o próprio Moro, para o advogado, se comportou como se fosse inimigo de Lula.

Em entrevista ao site Fórum no ano passado, Zanin disse que o STF ter considerado suspeições relacionadas à apuração servem “como lição para que a Justiça não mais seja utilizada para a obtenção de fins ilegítimos, sejam eles de natureza política, geopolítica ou comercial”.

Ele afirmou ainda que isso foi o que “vimos acontecendo na Lava Jato por meio da prática do lawfare [perseguição judicial]. “Nós temos de proteger a imagem da Justiça brasileira”, disse.

O próprio Zanin foi alvo de um desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro, na chamada Operação E$quema $, que apurou suspeitas de tráfico de influência em tribunais com desvio de recursos públicos para favorecer Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomércio-RJ.

O advogado chegou a virar réu em ação penal aberta pelo juiz Marcelo Bretas, que foi afastado neste ano pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Em 2022, o juiz Marcello Rubioli, da 1ª Vara Criminal Especializada do Rio de Janeiro, arquivou a denúncia da operação. O magistrado também trancou o avanço de qualquer investigação sobre o tema, anulou a delação de Diniz e teceu críticas às investigações conduzidas pela força-tarefa da Operação Lava Jato do Rio de Janeiro.

Zanin disse à época, em nota, que a decisão resgatava “definitivamente a dignidade da advocacia ao colocar fim à perseguição praticada pela Lava Jato contra mim e contra diversos colegas advogados que prestaram serviços jurídicos à Fecomercio-RJ durante o intenso litígio que a entidade privada manteve com a congênere CNC”.

“É mais um relevante ato para resgatar a credibilidade da Justiça após diversos atentados cometidos por ímprobos e delirantes agentes públicos que agiam sob a alcunha de ‘Lava Jato'”, afirmou o advogado, em nota na época.

Especialistas consultados pela reportagem consideram que o questionamento sobre a suspeição de Zanin em relação aos casos da Lava Jato, no caso de indicação, deve começar já no Senado, onde ocorrem as sabatinas antes das nomeações ao Supremo.

“O conceito por trás dos institutos do impedimento e da suspeição é a independência do juiz em relação às partes. No caso do impedimento é uma questão mais objetiva, já a suspeição é um juízo mais subjetivo”, diz o professor da FGV Direito Rio Álvaro Jorge, autor do livro “Supremo Interesse”, sobre o processo de escolha de ministros do STF.

“Ambos os casos, a princípio, dependem da própria definição dos magistrados, o que é sempre muito desgastante”, acrescenta.

Ele lembra que, em instâncias inferiores, o advogado pode conseguir a suspeição de juízes em tribunais, enquanto no Supremo é muito mais difícil.

“Não acho que agora a gente vai ter uma postura completamente diferente do Zanin. O controle desses casos vai ser muito menos processual e muito mais o controle social de pressionar o ministro naqueles casos que ele tem interesse pessoal”, diz o professor.

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JOSÉ MARQUES / Folhapress

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