A alma das palavras

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Quanto mais o tempo passa, mais me assusto com o desfreio intelectual do ser humano. Ganhamos em ciência, perdemos em bom senso. Evoluímos em tecnologia, regredimos em humanidade. Chegamos ao espaço, nos perdemos no mundo das palavras e entendimentos. Somos metamorfoses ambulantes, mas empedernidos em sentimentos. A vida, de repente, deixou de ter a lógica da existência e passou ao ilogismo da estupidez. Da utopia à distopia. O nexo é o filho da singeleza e inimigo da estultice.

Faço essas observações depois de ter vivido ao longo desta semana, um “cancelamento” estranho e atípico: fui alvo de críticas contumazes e até violentas, por ter feito um elogio num texto sobre futebol. Pasmem senhores, fui cancelado exatamente por torcedores do time a quem elogiei e transmiti um sentimento de otimismo e energia positiva.

Alegaram que meu texto era “tendencioso”, “irresponsável” e continha elementos que poderiam deflagrar um ânimo extra ao time adversário. Nem Freud, Lacan ou qualquer outro analista da mente humana poderiam ajudar essas pessoas. Depositei a confiança no time deles baseado apenas numa única evidência: a realidade dos fatos e dos números. A matemática é a mãe da razão. Qualquer um que deixasse de lado o fantasma do medo, da insegurança e do sortilégio, faria a mesma observação.

Aprendi com isso que nem sempre o entusiasmo é bem-vindo e a paixão supera a concretude. Aprendi que o ser humano, independente de sua vivência educadora, acaba se perdendo na cegueira do sobrenatural. Apendi que a palavra mal interpretada ou não interpretada corrói mais do que uma rajada de balas, principalmente quando disparada por quem só consegue ver o que lhe convém. Aprendi que estamos no tempo do desgaste, da inobservância e da soberba. As palavras têm alma, mas para poder chegar a esta alma é preciso não ser singular, pequeno e medíocre.

O mais triste é que um texto por mim assinado foi confundido com um editorial que nunca aconteceu. A responsabilidade era minha e não compartilhada com ninguém. Mas o que se viu foi exatamente o contrário. Chegaram a achincalhar a empresa, sem que ela tivesse qualquer culpa, simplesmente por ter elogiado, com justiça a quem merecia ser elogiado.

O resultado do vaticínio, visto em campo neste sábado, foi concretizado. Acertamos na análise, acertamos no entusiasmo, não fomos covardes, não enganamos ninguém. O que afirmamos aconteceu simplesmente porque teria que acontecer. Estamos longe de nos esconder e tremermos em nossas reflexões. Podemos errar? Claro, o erro é um caminho da estrada, mas nesse caso, não erraríamos jamais. Tivemos mais confiança do que aqueles que deveriam ter. Não fugimos covardemente.

Fico triste, por ser um professor de português e saber que a má interpretação, inclusive a básica gramatical, na utilização dos tempos verbais, ainda passa longe da compreensão das pessoas. Por outro, fico alegre por saber que, como jornalista atento e empregador da alma naquilo que faz, o êxito é certo.

Só para lembrar aos que fizeram e colocaram aquela faixa no estádio do Comercial, atrás do banco de reservas: a palavra nu, da frase não tem acento. Trata-se de um monossílabo tônico terminado em “U”. Só acentuam-se os terminados em a,e,o,as,es,os.