A morte de Daniel Kahneman e a falência da racionalidade em um mundo cada vez mais violento

Fabiano Corrêa Psicólogo e Economista

Perdemos Daniel Kahneman, que faleceu aos 90 anos nesta quarta-feira, dia 27 de março. Talvez você não o conhecesse, principalmente se não for um especialista em investimentos ou economista. Mas certamente já ouviu algo sobre suas teorias.

Hebreu, nasceu em Tel Aviv em 1934. Formado em psicologia, ganhou um Prêmio Nóbel em economia em 2002, junto com o seu colega pesquisador Amos Tversky. A grande contribuição destes pensadores foi a de ajudar a demonstrar que o ser humano é muito menos racional do que imaginamos. Em especial, em suas decisões financeiras.

Existiu por muito tempo um consenso entre os economistas sobre a racionalidade do Mercado. Este seria formado por indivíduos que tomariam decisões lógicas baseadas em informações objetivas dentro de uma função de utilidade. Seríamos então capazes de decidir o que seria mais útil para nós através de um sistema classificatório de utilidades. Este sistema funcionaria tanto para escolhas complexas como as nossas opções investimentos, quanto para o que vamos comer hoje no jantar.

Pergunta: você realmente acredita que as suas decisões em investimentos são racionais? Ou são tomadas por influencias, impressões e palpites?

Ainda nos anos 30 do século passado, Hebert Simon, outro pesquisador renomado, já havia ferido mortalmente esta concepção sobre nossa capacidade de tomar decisões. Ao estudar processos decisórios em empresas, em sua tese de doutorado, percebeu que as pessoas ancoravam suas decisões mais em sentimentos e emoções do que em argumentos objetivos. Couberam a Kahneman e Tversky a tarefa de sacramentaram a morte desta suposta racionalidade humana ao publicarem o seu artigo “Judgment under uncertaly: Heuristics and biases”, em 1974, abrindo espaço para um enorme campo de estudos econômicos sobre Finanças Comportamentais.

Não pretendo aqui cansar-lhe discorrendo sobre as particularidades desta teoria, mas simplificando ao máximo o construto de suas teses, o que estes autores disseram foi que o nosso cérebro normalmente se utiliza de atalhos para tomar decisões, o que normalmente empobrece a sua qualidade, especialmente das decisões financeiras. Mas veja, estes mecanismos, espécie de algoritmos de nosso cérebro, chamados por eles de Heurísticas, não ocorrem apenas no campo econômico. Todos os julgamento que fazemos sobre a realidade passam por mecanismos similares, o que pode, em maior ou menor nível, prejudicar a nossa capacidade de agir racionalmente.

Em um mundo em que temos retomado níveis de violência perigosos em termos de risco atômico, agravado com um maior número de informações falsas, circulando neste sistema dinamizado pelas Redes Sociais, torna-se pertinente a pergunta de o quanto estamos agravando as inconsistências do julgamento humano descritas por estes pensadores.

Fico imaginando que talvez Kahneman tenha pensado sobre isto antes de sua morte, ao ver o envolvimento do seu povo em mais uma sangrenta guerra na Faixa de Gaza. Será que o homem conseguirá um dia agir com mais racionalidade, fugindo deste ódio irracional sobre aqueles que pensam ou possuem crenças diferentes das nossas? E qual o papel de cada um de nós na busca de um mundo mais racional? Ou, ao menos, mais tolerante?

Obrigado, Prof. Daniel Kahneman, pelo seu trabalho, obra e contribuições. Descanse em paz. Cabe agora a nós dar continuidade a este trabalho de lidar com este mundo irracional. Ao menos por ora.

Fabiano Corrêa

Psicólogo e Economista
Especialista em Investimentos CEA – ANBIMA

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