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A necessidade de reconhecimento e o livre arbítrio

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Um sentimento que atormenta o ser humano é o sentimento de insignificância, intimamente relacionado ao não reconhecimento e o não pertencimento. Sentir-se insignificante e não reconhecido traduz para o homem ou para a mulher uma espécie de morte moral. É como viver em sociedade, mas sob o desprezo dela. Leva a pessoa ao ápice da baixa autoestima.

Tal sentimento representa boa parte da colheita de honorários dos consultórios de psicólogos e psicoterapeutas. Acomete, também, muitos assassinos em série, genocidas e suicidas. Para aqueles que não têm acesso aos serviços profissionais referidos, sobretudo por razões financeiras, restaram como consolo, mas não como forma de tratamento, as redes sociais, que garantem aos indivíduos espaços para desabafos e expressão de ressentimento.

O outro caminho que pode ser trilhado pelo portador do sentimento de insignificância, para que possa ser minimamente reconhecido, é o de tentar agradar a todo mundo, passando a viver dentro de um verdadeiro teatro, onde ele faz o papel de bonzinho e solícito, em busca da recompensa do reconhecimento.

O psicólogo austríaco Alfred Adler (1870/1937), precursor da teoria do desenvolvimento pessoal, apontava que quando a alguém deseja muito ser reconhecido, acaba vivendo para satisfazer as expectativas daqueles que querem que ele seja isso ou aquilo. Assim, esse alguém joga fora quem realmente é para viver a vida alheia.

Portanto, essa é uma opção perigosa, pois em pouco tempo o ator deixará de viver sua vida e passará a viver a vida daqueles a quem destina sua cortesia e subserviência. Seu livre arbítrio, que podemos definir, grosso modo, como a liberdade para a prática do bem ou do mal, terá sido engolido por outros seres, movidos pelo instinto do domínio.

Mas livre arbítrio? Será que os seres humanos em geral, mesmo aqueles que não padecem do sentimento de insignificância, exercem o livre arbítrio. Será possível que uma pessoa viva em paz e abastecida espiritualmente, sem qualquer sentimento de culpa, exercendo plenamente o livre arbítrio? Eis uma boa pergunta, que poderia alimentar um grande debate entre filósofos, psicólogos, sociólogos e religiosos.
Reputo que depois da vida, da saúde e da liberdade física, o livre arbítrio seja o valor mais precioso que o homem carrega consigo.

Nelson Rodrigues (1912/1980), dizia que a liberdade é mais importante que o pão. Contudo, não é um direito natural fácil de ser exercido. Ainda que o pensamento de Émile Durkheim, sociólogo francês (1858/1917), no sentido de que o indivíduo é constrangido a seguir normas sociais, que são exteriores e anteriores a ele, não esteja verdadeiramente atualizado, num mundo onde o respeito à diversidade é pauta em termos de progressão dos direitos humanos, existe o campo da moral, evidentemente revisado pela mudança de costumes, que serve de paradigma para uma boa convivência social. Ocorre que a sujeição indiscriminada a esses paradigmas revela-se o maior inimigo do livre arbítrio.

É claro que há paradigmas que reputo insuperáveis, como o cumprimento da lei, a boa educação, a conduta ética e a honestidade, por exemplo. Obviamente que se comportar de modo a romper com esses valores significa exercer o livre arbítrio para o mal.

Mas, vamos tratar do exercício do livre arbítrio sem que se tenha que agredir valores fundamentais. Quando você diz sim, contrariando a vontade de dizer não, a consequência é a agressão a seu livre arbítrio. Mas, se você prestigia o livre arbítrio e diz não a um apelo alheio pelo sim, mesmo sem ter praticado um crime ou violado um relevante valor social ou moral, não estará isento de sofrer consequências na órbita da relação onde se travou o dilema do sim ou não (família, trabalho, amigos, etc). Quais seriam essas possíveis consequências? Reprovação, distúrbios e rompimentos, dentre outras. Pessoas que não querem enfrentar essas sanções, ou pela necessidade de aprovação, ou por conta de uma índole demasiadamente pacífica, acabam abrindo mão do exercício do livre arbítrio.

As mencionadas consequências não deveriam existir se as relações entre as pessoas fossem permeadas pelo respeito mútuo, mas isso nem sempre acontece. Em toda e qualquer relação que não seja absolutamente madura, sempre haverá quem queira exercer alguma espécie de poder sobre você. Isso mesmo, em regra, o egoísmo é inerente ao ser humano. O egoísmo tem grande dificuldade de conviver com o respeito.

Não vejo outro caminho para se enfrentar eventuais crises no exercício do livre arbítrio senão o autoconhecimento e a consequente autoaceitação. Não pode falar em liberdade a pessoa que não aceita a si mesma, com seus defeitos e suas limitações. A busca da virtude é louvável, mas isso não deve implicar em sujeição e submissão.

A pessoa que se aceita como é não tem a necessidade de agradar ninguém, a ponto de fazer concessões a seu livre arbítrio. Esse estágio de autoaceitação liberta o indivíduo da opinião dos outros sobre sua conduta. Viver em função das expectativas alheias sobre sua conduta é escravizante e conspira contra a essência do ser.

Enfim, diriam os sábios: entre a busca da aceitação por terceiros e a autoaceitação, não hesite em optar pela segunda alternativa, ainda que isso exija algum esforço (leitura especializada, terapia e afins). Seu livre arbítrio agradecerá.