Acenda a luz

Em meio aos brasileiros descontentes, de um e de outro lado, e até mesmo entre pessoas mais tranquilas e racionais, o que muito se escuta é que ir para o Canadá, Portugal ou os Estados Unidos são as melhores opções para um jovem brasileiro que tenha condições de  estudar ou trabalhar fora, ou ainda, se não tiver essas condições, que ganhe coragem para desembarcar no exterior como aventureiro e lá tentar a sorte.

Se as razões do sonho da emigração fossem a consciência de que as fronteiras não deveriam existir, a partir de uma sensação de pertencimento universal, isso seria muito positivo e até elogiável.  Mas os motivos são menores. Da parte dos mais apavorados tanto da direita quanto da esquerda, é o temor  (aliás, tremor) de que o país se torne inviável, seja nazista ou bolivarianista. Essa é a principal desesperança de quem não consegue ler a sequência dos acontecimentos do país.

O Brasil vive há algumas dezenas de anos o momento histórico mais fundamental na construção de sua excelência civilizatória. Desde a era Vargas, o pêndulo naturalmente oscila um pouco à direita, um pouco à esquerda, e isso tem feito o funcionamento barulhento do relógio. Poucos percebem isso.

A esperança está no passar das horas.

No Brasil de tanta corrupção, olhando de cima, sem envolvimento emocional, percebemos que a evolução dos instrumentos de fiscalia, tanto no plano legal quanto tecnológico – evolução momentaneamente paralisada pelo hiato da pandemia – veio a coincidir com o afunilamento dos concursos públicos cada vez mais concorridos, que trazem uma seleção de delegados, promotores, procuradores e juízes cada vez mais bem preparados. São milhares e milhares de candidatos para poucas dezenas de vagas. Os aprovados são jovens com menos vícios e mais valores (e com mais inteligência), pouco inclinados a arriscar a vida e o respeito que conquistaram a troco de um enriquecimento irracional, desnecessário  e antiético. É preciso ter muito foco e poder de  concentração em leituras, e quem chega ao final tem aspirações mais altas do que o simples desejo de enriquecer. É curioso como nesse particular de valores (reservadas as honrosas exceções), antigos juízes, procuradores e delegados, em grande número, tais como muitos velhos políticos em geral, se assemelham aos delinquentes de qualquer morro carioca: arriscam tudo unicamente por ganância, poder e ostentação.

Óbvio que essa busca fútil de riqueza continuará a ser valor no país. Nem todos os jovens gostam de ler e estudar, e alguns têm  talento apenas para ganhar dinheiro desonestamente. Mas esses não estarão nos quadros policiais e no judiciário, e terão dificuldade no futuro  para controlar o Estado. Essa  transição ainda levará algum tempo. O conflito de gerações está disseminado pelas várias instâncias dos três poderes e os  que ainda vivem do velho Brasil usam a influência e os cargos  que têm para reagir e tentar manter o statu quo, tentando preservar as possibilidades de corromper e ser corrompido, legislando e decidindo a favor de seus interesses e de outras forças econômicas em prejuízo dos que mais honestamente se dedicam a produzir as riquezas do país.

O Brasil experimenta um processo catártico, de purgação mesmo. Tal como numa cirurgia, a visão das vísceras assusta, mas a retirada do tumor e a lenta convalescência são etapas fundamentais para promover a saúde daquele que está doente.

Não há beleza nesse quadro. Muitos erros e injustiças se espalham aqui e ali. É o hegeliano processo histórico em seu lento, quase imperceptível movimento.

Indiferente às oscilações direita e esquerda, forma-se uma era em que a revolução educacional que pedimos será consequência natural  do redesenho do Estado, e nossos meninos poderão construir um país em que venham eles mesmos a  decidir diretamente seus destinos, deixando a briga dos velhos para trás. Beaumarchais, o irônico autor de O Barbeiro de Sevilha, peça levada a ópera por Rossini, ensinava que os jovens devem ouvir e respeitar os mais velhos, mas não repeti-los, sob pena de reproduzir o mundo caótico que há lá fora.

Há que ter paciência com os muito apavorados de um lado e doutro. São velhas gerações que têm o passado ainda muito presente, e veem tudo escuro. Mas o pêndulo continua a mover o relógio, e daqui a algum tempo poderão os jovens acender a luz.

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