Casa, Comida e Solidariedade: assentamentos de Sertãozinho carregam a história de Joana D´Arc

Ativista social de 61 anos luta por direito à moradia desde a infância, quando chegou junto à família em sua primeira ocupação

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Sopa compartilhada propôs o tom da união no assentamento do Pati | Foto: Arquivo pessoal

Era fim de tarde. O astro-rei já dava seus indícios de despedida quando a ativista social Joana D’Arc, presidente da Amigos Solidários em Sertãozinho–SP, nos contou sobre sua história. 

“Todos unidos…todos vivíamos juntos”. A líder comunitária vive a luta por direito à moradia desde a tenra infância, aos 4 anos, quando chegou com a família em sua primeira ocupação, a qual residiu por 14 anos. 

Em meio aos anos de chumbo, na década de 70, Joana confirmou o amor e aceitou Devenir Aparecido da Silva como marido. Ainda jovens, com filhos pequenos, saíram em busca do “sonho” da casa própria. 

A realidade infante do assentamento fez morada ao desejo adulto independente. As ocupações do Pati, logo após o casamento, e Córrego Sul, já na década de 90, ilustram suas boas memórias. Ambas se contextualizam em Sertãozinho, na região metropolitana de Ribeirão Preto.

A infância também dava legado aos exemplos de organização. A união observada entre os moradores na juventude serviu de inspiração para a sopa comunitária, por exemplo. 

As memórias que ficam ao eterno. Em 2023, o Centro de Referência de Assistência Social -“Narciso Nicolau da Silva” – CRAS 3 foi inaugurado. O nome é uma homenagem ao senhor Narciso, membro essencial nas comunidades assentadas tanto no Pati como no córrego sul que acalentava seus companheiros em seu exemplo de persistência. 

A unidade tem 541,8m² e conta com copa, cozinha, banheiros com acessibilidade, salas para atendimento familiar, sala administrativa e outros espaços. O objetivo do CRAS é garantir direitos sociais, desenvolver ações de prevenção a situações de vulnerabilidade, além de fortalecer vínculos familiares e comunitários.

CRAS “Narciso Nicolau da Silva, no Conjunto Habitacional “Áurea Mendes Gimenes” | Foto: Divulgação

“Casa ocupada é casa viva”

“Sobre as pessoas que não possuem uma moradia adequada e que estão em situação de rua, penso que deveria haver o mínimo de respeito e atenção, entender e propor um acordo diante da situação”, propõe Joana. 

A ativista questiona as políticas públicas habitacionais e alerta quanto à violência e à ausência de negociação. “Muitas vezes a casa está vazia, gera custo ao proprietário e a gente vê nas notícias as agressões que nossos iguais sofrem”, diz Joana D´Arc. 

Assegurado pela Constituição Federal de 1988, o direito à moradia é uma competência comum da União, dos estados e dos municípios. A eles, conforme aponta o texto constitucional, cabe “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”.

De acordo com dados do Cadastro Único para Programas Sociais, mais de 103 mil pessoas estão em situação de rua no estado de São Paulo. Os números são de novembro de 2023. 

Também neste ano, em seus 150 primeiros dias, Ribeirão Preto registrou 1.970 pessoas vivendo nas ruas da cidade. No mesmo recorte, em 2024, foram expressados 1.873. 

“Uma casa ocupada é uma casa viva, é uma chance de manter a família segura e, a partir daí, encontrar um emprego e educar as crianças. Quando vivíamos no assentamento, pela falta de endereço, era muito difícil ter uma oportunidade de trabalho, acesso a saúde e até escolas”, complementa. 

Ainda sobre o mercado de trabalho, Joana aprofunda o argumento. “Um endereço faz toda diferença quantos são os lugares que ainda hoje é preciso apresentar um comprovante, uma conta de luz”, diz.

A maneira de ação para ocupação da terra foi questionada. Após interagir com o marido, Joana retoma e conclui: “Negociar para mim é o caminho, algo bom até para o proprietário, talvez cobrar um valor acessível e manter a casa segura e limpa. Dialogar é dar uma oportunidade não só para o ocupante, mas para todos da região porque às vezes um ato de acolhida muda a trajetória de quem está vulnerável.”

Luta em película. Em produção neste momento, o documentário ‘Casa, Comida e Solidariedade’, realizado pela Associação Amigos Solidários de Sertãozinho, conta a história da luta do movimento que culminou com a criação dos bairros Vila Áurea e Vila Garcia. A produção foi incentivada pela Lei Paulo Gustavo.

Assentamento por conceito

O assentamento de reforma agrária é um conjunto de unidades agrícolas, instaladas pelo Incra em um imóvel rural.

Cada uma unidade é chamada por parcela ou lote, e é destinada a uma família de trabalhador rural sem condições econômicas de adquirir terra para produção.

A família beneficiada deve residir e explorar o lote. O desenvolvimento se deve por atividades produtivas diversas, e a quantidade de lotes ou parcelas num assentamento é definida a partir da capacidade de geração de renda do produtor residente. 

Cada lote em assentamento é considerado uma unidade familiar em seu respectivo município, e por isso demanda benefícios das três esferas de governo, com escolas, estradas, créditos, saúde e outros.

Além da distribuição da terra, os assentamentos garantem a segurança alimentar de brasileiros das zonas rurais que, até então, se encontravam sob risco alimentar e social.

Sobre caixa, os assentados pagam pelo lote que receberam do Incra e pelos créditos

Reforma agrária

Se caracteriza como reforma agrária o conjunto de políticas públicas voltadas à distribuição de terras entre trabalhadores rurais, atendendo aos princípios de justiça social e aumento da produtividade, em acordo com o Estatuto da Terra. 

A medida promove a cidadania, a desconcentração e democratização da estrutura fundiária, a produção de alimentos básicos e o combate à fome. 

Em 14 de novembro de 1966, o Decreto nº 59.566 instituiu o primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária e, em 9 de julho de 1970, o Decreto-Lei nº 1.110 criou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), resultado da fusão do Ibra e o Inda.

Desde então, o Incra é responsável por colocar em prática as ações que asseguram a oportunidade de acesso à propriedade de terra, condicionada à função social. Atualmente, 1 milhão de famílias vivem em assentamentos reconhecidos pelo Incra. 

**Com colaboração de Janaína Maria e Amigos Solidários