Mulheres são apenas 1 em cada 10 homenageados pela Câmara de Ribeirão Preto

Dos 912 projetos de honrarias protocoladas nos últimos 24 anos, 804 foram para homens.

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 A cada dez homenagens com o título de cidadania ribeirão-pretana, cidadão emérito ou ordem do mérito, nove contemplaram homens na Câmara de Ribeirão Preto. Nos últimos 24 anos, os vereadores protocolaram 912 projetos com as honrarias. Desses, apenas 108 prestigiaram mulheres.

O levantamento foi feito pelo Farolete junto a 2.279 projetos de Decreto Legislativo, que abrangem desde essas homenagens até suspensão de leis, concessão de licença ao prefeito, aprovação de contas do Executivo, entre outros.

As informações de cada decreto foram extraídas do portal da Câmara de Ribeirão pela Agência Tatu, uma startup de jornalismo de dados de Alagoas, especialmente para esta reportagem.

No consolidado de 1998 a julho de 2022, as mulheres representaram 12% do total de títulos. Segundo o último Censo, realizado em 2010, elas são 51% da população.

Mesmo com o passar do tempo, a disparidade se mantém. A atual legislatura, iniciada em janeiro de 2021, protocolou homenagens para 32 homens e 4 mulheres até a publicação desta reportagem.

Entenda

A Câmara de Ribeirão tem três tipos de honraria: cidadão ribeirão-pretano (para nascidos em outra cidade), cidadão emérito (naturais de Ribeirão) e ordem de mérito (para classes profissionais, acadêmicas, culturais ou esportivas)

Cada vereador pode homenagear até duas pessoas ao ano.

Cada homenagem se torna um projeto de decreto legislativo, que precisa ser aprovado em plenário.

Depois, é realizada uma sessão solene para entrega de um certificado ao homenageado. Os custos de impressão são do vereador proponente, mas a Câmara cede estrutura e pessoal, como fotógrafos.

Segundo Hannah Maruci Aflalo, pesquisadora em gênero e política na Universidade de Humboldt, mestra e doutoranda em Ciência Política pela USP e co-diretora do projeto A Tenda das Candidatas, a maioria do Legislativo é composta por homens, e portanto reproduzem uma “perspectiva masculina”.

De 1998 em diante, o vereador que mais protocolou homenagens foi Walter Gomes: 58 ao todo, sendo apenas seis para mulheres. Bertinho Scandiuzzi, que ainda exerce a vereança, vem em seguida: 45 a quatro.

A Câmara de Ribeirão Preto é, majoritariamente, masculina. Nas últimas seis eleições, somadas, estiveram em jogo 132 cadeiras de vereadores. Apenas 14 foram ocupadas por mulheres, já considerando as reeleições.

Mesmo entre as parlamentares femininas, os homenageados homens prevalecem. A ex-prefeita Dárcy Vera, durante seus mandatos como vereadora de 1998 a 2006, apresentou 34 projetos de honrarias. Apenas sete para mulheres. Silvana Resende protocolou 35, sendo 29 para homens.

Glaucia Berenice, mulher com mais tempo de mandato das três vereadoras da atual legislatura, já assinou 19 homenagens. Somente três contemplaram mulheres.

Uma das três honrarias femininas propostas por Gláucia é direcionada à ex-ministra Damares Alves, sem qualquer vínculo com Ribeirão Preto. O projeto foi protocolado em 2021, e até o momento não foi votado em razão da conotação política.

Desde 1998, segundo o levantamento do Farolete, apenas dois parlamentares protocolaram mais homenagens para mulheres: Viviane Alexandre (2013-2016) e Fatima Rosa (2005-2008): 2 a 1 e 4 a 3, respectivamente.

Luciano Mega (2017-2020) foi paritário: quatro homenagens para cada gênero. Porto (1997-2000) também: 1 a 1.

Todos os outros 81 parlamentares que protocolaram homenagens desde 1998 privilegiaram homens. Alguns mais, outros menos.

Segundo a pesquisadora Hannah Aflalo, as vereadoras, embora mais propensas a homenagearem outras mulheres, reproduzem uma estrutura que privilegia os homens.

Dos 29 vereadores que protocolaram homenagens nesse período, 20 endereçaram apenas a homens. Renato Zucoloto foi quem mais homenageou: 12 pessoas. Nenhuma é mulher.

“Todas as homenagens que fiz foram merecidas. Homens que dignificaram a cidade e levaram o nome de Ribeirão Preto. No ano que vem serão duas mulheres homenageadas pelo meu mandato. Acredito que a qualidade é mais importante que o gênero”, justificou o vereador à reportagem.

A assessoria de Glaucia Berenice apontou que ela “concentra-se desde 2014 no reconhecimento do Dia da Mulher, quando cada parlamentar apresenta sua homenageada”. Sobre os títulos de cidadania, afirmou que foca nas nas “realizações e não exatamente os perfis dos homenageados”.

Outros casos

Ribeirão Preto não é exceção. Levantamento realizado pelo Painel, portal de jornalismo independente de Mogi das Cruzes, revela que na última década o Executivo e Legislativo mogiano privilegiaram homens ao denominarem logradouros públicos, como ruas e praças. De cada dez denominações, apenas duas homenagearam mulheres naquele município.

O que fazer?

Farolete questionou a pesquisadora Hannah Maruci Aflalo sobre a possibilidade do Legislativo modificar as normas de concessão de homenagens, instituindo critérios que alcancem a paridade para homens e mulheres.

“Isso seria similar a uma cota. Acredito que as cotas funcionam e são necessárias até que a paridade seja naturalmente alcançada. É, sim, uma ideia interessante. Porque muitas vezes a reprodução de estruturas está no inconsciente. Não significada que o vereador está intencionalmente querendo excluir as mulheres, mas vem sempre na cabeça dele um homem na hora de homenagear. Quando se coloca a obrigatoriedade, obriga a pessoa a repensar”.

Ela aponta, também, que deveria haver um critério de igualdade em termos raciais. “Muito provavelmente a maioria dos homens homenageados são brancos”.

Fonte: Cristiano Pavini / Farolete/ Agência Tatu