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O futebol da filosofia, ou a falta de inteligência do humor

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O futebol da filosofia, ou a falta de inteligência do humor
Doutor em Linguística e Língua Portuguesa pela Ufscar

Sou uma pessoa que gosta do humor. Prefiro sempre estar de bom humor e acredito ser imprescindível nas relações humanas termos um olhar de alegria para com a vida. E atualmente o que percebo na televisão, aberta principalmente, é um humor caricaturesco que somente tem a política como assunto principal. Basta assistir a um episódio da Zorra Total e perceba-se que, se tirar o tema anteriormente citado, não haveria mais da metade do programa.

Acredito que o humor possa ser inteligente e que o politicamente correto possa até ser burlado nesse quesito. Às vezes vejo quadros dos Trapalhões no final dos anos 1970 e 1980 e percebo que o quarteto sairia de camburão se fosse exibido nos dias de hoje. Na geração mimimi da atualidade, onde sobra opinião e falta argumentação, tudo ofende, tudo é preconceito, tudo é politicamente incorreto. Não sou a favor de bullying e nem de depreciação de pessoas em nome de se fazer humor, mas, convenhamos, o humor de antigamente era tão horrível assim que o de hoje precisa ser tão insosso e asséptico para conseguir não ofender ninguém?

Danilo Gentili em um show antes das eleições fez uma demonstração clara disso. Fez piada com todos os candidatos à presidência. Em uma entrevista com Roberto Justus, ele afirmou que, como humorista, ele só falava (mer**) besteiras e por isso, ofendia-se ou quem devia no cartório ou quem era fascista para querer calar um humorista. Voltando ao seu show, ele, ao final, afirmou que mesmo fazendo piadas jocosas com todo tipo de político apenas os de alguns partidos (PT e PSOL, por afirmação do mesmo) processavam-no pelo que ele proferia. Temer, Bolsonaro, Marina, Ciro Gomes, Henrique Meirelles, Cabo Daciolo foram execrados na performance do artista, contudo, poucos o processam.

Tendo em vista a falta de qualidade no humor, reflito bastante e vejo com bons olhos iniciativas como as de Marcelo Adnet. Quando seu lado político não aflora demais, seus quadros são inteligentes, sagazes, mexem com as paixões ou trazem críticas sociais pertinentes (como a crítica a policiais violentos no Rio) em um clipe musical. Em outro quadro ele cria um Chico Buarque de direita. Impagável! Por isso, acredito que exista uma via para o humor que pode criar risos e diversão saindo do senso comum ou do apelativo. Por isso, e como exemplificação, trago um exemplo um pouco mais antigo de humor inteligente e que não precisava de apelações ou calcar-se em política para poder existir.

O grupo de comédia britânico Monty Python surgiu em 1969 e fez 45 episódios para televisão, distribuídos em 45 episódios durante quatro temporadas. Seus quadros podem ser visualizados no Youtube, como deixarei alguns aqui. Até no cinema o grupo se aventurou com sucesso, como no impagável filme A vida de Brian. O filme mescla comédia com tema religioso e por alguns é considerado blasfemo, contudo, se analisado com argumentação e inteligência, percebe-se que a crítica é justamente ao que ele viria a ser acusado. De filme blasfemo. O filme traz crítica à alienação de massa, pois o povo segue Brian todo o tempo e repete o que ele faz e diz, tal como o discurso do politicamente correto, que se esparrama sem uma linha de lógica analisada no seu desenvolvimento. Um trecho será mostrado aqui para demonstrar esse nossa visão.

Como professor e filósofo, vou me debruçar a expor um quadro inteligente do grupo onde há um jogo de futebol entre seleções, onde os jogadores são filósofos. Nisso, fico imaginando e deixo para quem ler este texto também propor o desafio a si mesmo: o de escalar a nossa seleção brasileira de filosofia? Seria possível?

No quadro, algum conhecimento de filosofia é exigido, mas nada que impeça de se divertir com o fato. Pensamentos sobre a argumentação de Hegel ou de Kant a respeito do gol seriam difíceis de explicar em um esquete. A cena de Nietzsche, que acusa Confúcio, o árbitro da partida, de não ter livre-arbítrio é baseada não visão do alemão de que o conceito é uma criação religiosa para controlar a humanidade por meio de culpas e responsabilidades. Já o chinês prega o livre arbítrio e dá cartão amarelo para Nietzsche.

Sensacional é a cena de Karl Marx, reserva do time alemão, aquecendo-se freneticamente, de forma a dar a entender de que entraria na partida e resolveria alguma coisa. Contudo, ao continuar o vídeo perceberemos a crítica dos criadores a sua vida e teoria. Basta analisar um pouco. Algo muito inusitado que o time alemão contém é a presença de Beckenbauer, o famoso jogador alemão, que não é um filósofo. O narrador afirma que a presença dele é, obviamente, uma surpresa, porque ele é de fato um jogador de futebol.

De todos os detalhes, perceptíveis ou não a quem visualizar o quadro, toda frase ali tem sentido filosófico. O que é impressionante é que o futebol causa estranhamento, porque quase não é jogado. E quando acontece, fica difícil entender por que aconteceu e o resultado final demonstra qual grupo filosófico é mais importante na visão dos idealizadores.

O Brasil e o brasileiro têm muito a exigir em relação ao humor. Uma razão básica para isto é que se o humor for inteligente demais, não conseguirá ser entendido. E este problema tem sua origem e solução no mesmo lugar: educação. Se a educação na origem for de qualidade, com alunos mais interessados e profissionais de educação mais bem preparados, muita coisa muda e então a solução estará apresentada. Não que a Grã-Bretanha seja o Idílio, muito pelo contrário. Eles passaram mais séculos na miséria do nós. Basta ler Oliver Twist pra entender o que aqui se diz. Já tivemos programas tão bons quanto Monty Python quando havia TV Pirata ou o início do Casseta e Planeta.

Como sempre reafirmo, se os gritos, ofensas e falta de ouvir ao outro imperam, não há como haver espaços para sorrisos, principalmente os provindos da inteligência.