Chamar uma mulher de loba hoje, na internet, é como exaltá-la e dizer que ela está com tudo. O termo não é novo, pelo contrário, já se infiltrou há anos no mundo da música e da literatura, mas vem ganhando cada vez mais espaço no linguajar das redes. É assim que chamam, por exemplo, Fernanda, participante que foi eliminada do BBB24 neste domingo (31).
Não existe uma definição exata para o termo. Ele é utilizado para designar a mulher que saiu da domesticação e das caixas impostas socialmente. Seria a mulher que segue a sua própria natureza selvagem. É o que diz Marília Lopes, comunicadora com mais de 33 mil seguidores no Instagram que se diz mentora de mulheres e que possui uma comunidade chamada Las Lobas.
O termo ganhou popularidade com o livro “Mulheres que Correm com os Lobos”, de Clarissa Pinkola Estés, publicado nos Estados Unidos em 1993 e lançado um ano depois no Brasil. Em 2018, ele ganhou uma nova versão que o fez estourar –com mulheres que andavam para cima e para baixo com o livro de mais de 500 páginas dentro da bolsa– e sempre aparecer na lista dos mais vendidos. Pode-se dizer que ele formou gerações de feministas.
A autora é também psicóloga junguiana, vertente que trabalha para o indivíduo se reconectar com sua essência. Pinkola Estés acredita que mulheres e lobos possuem arquétipos instintivos que se relacionam entre si. Tanto a natureza do lobo quanto a da mulher seriam gregárias, que tendem a unir as pessoas, a família ao redor, tornando-os fiéis e instintivos.
Foi a partir da leitura desse livro, entre 2012 e 2013, que Lopes começou a se aprofundar no estudo das relações femininas. Ela, então, criou rodas de conversas para discutir a obra e ouvir outras mulheres. Na época, ela criou um blog e há quatro anos administra a comunidade Ser Selvagem. Por fim, criou a mentoria Las Lobas.
Durante esses anos, ela afirma que chegou à conclusão de que existe uma domesticação da mulher. Lopes contrapõe a atitude de loba com a de um poodle domesticado, que abana o rabinho em troca de um pouco de afeto. “Enquanto isso a loba está lá, solta na natureza, seguindo o seu instinto, caçando e escolhendo seus caminhos”, diz.
As mulheres que fazem parte de sua mentoria, segundo ela, sentem falta de um rumo na vida. Elas estudam, casam, têm filhos, mas chegam em um momento em que percebem que não há nada construído para elas mesmas. “A partir da leitura, a gente olha para gente. Isso é o mais importante”, diz.
Mas não é só na literatura e em rodas de conversa que o termo aparece. Ele está na música também. Uma das maiores vozes do samba, Alcione se consagrou loba em 1997, ao lançar a canção “A Loba”. “Sou doce, dengosa, polida, fiel como um cão”, diz a letra da música.
Recentemente, Alcione voltou a ser aclamada como loba ao viralizar nas redes com um vídeo em que se irrita com o tom de esmalte. “Eu lá sou mulher de francesinha?”. A cantora não gosta de cores claras nas unhas, o que ela gosta mesmo é de um vermelho bem chamativo. “Ser uma loba é ser uma mulher empoderada e também uma mulher que ocupa o seu lugar na hora certa”, disse a artista ao programa Samba Coração, no ano passado.
Shakira, em 2009 lançou o álbum “She Wolf”, traduzido como Loba. Na época, ela explicou o significado do nome dado ao disco. “É a mulher do nosso tempo. A mulher que sabe o que quer e que é livre de preconceitos e ideias preconcebidas. Ela defende seus desejos mais profundos, com dentes e garras, como um animal selvagem.”
Na música que leva o nome do disco, ela canta sobre “Uma loba no armário tem vontade de sair, quer sair”. Seria a mulher em busca do seu despertar selvagem. Em 2023, ela volta a referir a si própria com o termo na música que fala sobre seu relacionamento com Piqué. “Uma loba como eu não está para tipos como o seu”, canta.
O termo parece ganhar novos contornos ao longo dos anos e ser cada vez mais difundido. Revistas no início dos anos 2000 estampavam as mulheres que chegaram na “idade da loba”, como Christiane Torloni e Maitê Proença. “A idade da loba era por volta dos 40 anos, quando a gente entra naquela fase pré-menopausa que a mulher já está voltando para casa”, afirma Lopes. “São as mulheres que fazem a transição de carreira, que se apropriam do próprio corpo, do próprio prazer.”
Loba seria, então, a mulher mais velha? Não necessariamente, mas provavelmente a loba tem mais experiência e bagagem. Para Marília Lopes, não existe uma idade certa. “Eu percebo uma mudança muito grande nessas gerações mais novas que já sentiram o chamado e não querem seguir o roteiro”, diz.
No TikTok, rede tomada por jovens da geração Z, a estudante de jornalismo Flávia Soares, 19, viralizou com um vídeo em que fala sobre o seu projeto de ser loba em 2024.
TikTok Video projeto loba 2024 quem vem? https://www.tiktok.com/@flaviaverso/video/7317025181896117509?_t=8l7d7LRbo4T&_r=1 *** Soares, que começou a fazer vídeos para internet em 2020 durante a pandemia, conta que se inspirou após ver a discussão no X (antigo Twitter). Era sobre ser loba ou estar na coitadolândia –ou seja, sentir sempre pena de si mesma e ser uma vítima.
No vídeo ela coloca um top de oncinha, brincos grandes, prende o cabelo e pendura uma bolsa no ombro enquanto fala que foi buscar conhecimento com a maior loba de todas: a personagem Marilda, de Andréa Beltrão, em “A Grande Família”. “Ela é uma mulher elegante, vaidosa, tem personalidade forte. É alguém que se impõe e é uma boa amiga”, diz Soares.
Apesar de conter certa ironia e humor no vídeo, para ela ser loba é “você se reconhecer, começar a se impor, um momento de autoconhecimento. Saber que você não precisa depender de homem e que você tem uma voz.” Ela, no entanto, reconhece que aos 19 anos está apenas no início do caminho.
No X, assim como Soares, os internautas passaram a olhar para personagens do entretenimento e do cinema e reconhecê-las como loba. A participante do BBB24, Fernanda, por exemplo, é chamada assim pelos fãs, que fazem vídeos dela desfilando pelas festas do reality.
Para Marília Lopes, do Las Lobas, os memes e a utilização desse termo a todo custo pode acabar banalizando-o. “Se a gente começa a usar esse ‘loba’ como símbolo de mulher sensual, de mulher extravagante, pode criar um rótulo em torno desse termo que poderia ser inspiração para que a gente voltasse para essa nossa natureza selvagem de mulher livre”, diz.
VITÓRIA MACEDO / Folhapress