Reviravolta no caso Duda: documentos comprovam incoerência do Detecta

Em data em que carro foi identificado na capital paulista, veículo estava na oficina; prova abre duvida razoável e pode livrar parlamentar de punição

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Duda Hidaldo, vereadora pelo PT em Ribeirão Preto - Foto: Divulgação

A novela envolvendo a vereadora Duda Hidalgo (PT) e o possível uso do veículo público a que tem direito para fins particulares ganha, nesta terça-feira (12), um novo capitulo. Na data em que pode ser punida pelos vereadores e um dia depois de o relatório apresentado pelo Conselho de Ética que vê provas de irregularidade, documentos comprovam que, em ao menos uma oportunidade, o sistema Detecta errou ao indicar que o veículo da parlamentar estava em São Paulo.

Os documentos foram obtidos com exclusividade pela reportagem do Grupo Thathi. Neles, é possível verificar que, em ao menos uma das datas em que o veículo foi registrado pelo Detecta como estando na capital, o carro estava em Ribeirão Preto.

Nos documentos, o veículo utilizado por Duda, um Fluence placas EHE 3406, foi entregue à parlamentar em 11 de abril de 2021. Antes disso, na legislatura anterior, havia sido utilizado por Elizeu Rocha (PP).

Em janeiro, logo depois da posse dos vereadores, o carro passou por uma revisão. Segundo nota. Em orçamento datado de outubro de 2020, foi mandado para a oficina e, em documento oficial entregue a Câmara, aparece como tendo quilometragem, nesta data, de 53.358 quilômetros.

Em nota fiscal datada de 22 de fevereiro de 2021, no valor de R$ 3198,00, fornecida pela Auto Clapp, consta que o veiculo passou por mecânica, tendo, no momento da revisão, os mesmos 53.358 quilômetros. Dessa forma, portanto, os documentos atestam que o veículo não rodou entre janeiro e outubro de 2020 e fevereiro de 2021.

Acontece, entretanto, que o Sistema Detecta informou aos vereadores que o carro foi registrado pelo sistema, em 14 de janeiro, na capital de São Paulo.

Dessa forma, de duas, uma: ou os documentos públicos que constam na Câmara envolvendo o histórico de utilização do veículo, inclusive o registro de quilometragem, foram fraudados, ou o sistema Detecta errou ao registrar que o carro estava fora de Ribeirão Preto. Isso, claro, sem contar na possibilidade de clonagem de placas.

Análise

Excetuando-se a possibilidade de fraude nos documentos, essa realidade, portanto, é capaz de provar que um carro que estava recebendo reparos mecânicos em Ribeirão acabou sendo pego pelo monitoramento da Polícia Militar em lugar completamente diferente.

É precisamente esse o argumento utilizado pela defesa de Duda Hidalgo, que alega que, na datas em que o sistema informou as viagens a cidades onde foram realizados eventos do Partido dos Trabalhadores aos quais Duda teria comparecido, ela e sua equipe permaneceram em Ribeirão Preto. Essa informação, inclusive, consta no registro de utilização do carro, que se confronta com as informações do Detecta.

Dúvida razoável

Segundo o advogado Thiago Cardoso, especialista em Direito Administrativo pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), com isso, abre-se o precedente do erro é possível colocar em xeque as informações do Detecta, utilizadas como base para o relatório, feito pelo vereador Renato Zucoloto (PP), que determina punição de 15 dias de afastamento a Duda.

“Se há um aparente erro no caso concreto, esse erro pode ter ocorrido outras vezes. Dessa forma, caí por terra a própria presunção de veracidade dos dados. Não significa que o sistema não funciona, mas sim que há divergência. O carro pode ter sido clonado, por exemplo, ou o documento enviado a Câmara pode estar incorreto. De toda forma, são questões que precisam ser respondidas e que permitem dizer que não se pode ter certeza do cometimento do eventual ato ilícito e, com isso, a punição fica comprometida”, avalia.

A repercussão

Em conversa entre o repórter que escreve este texto e a parlamentar, ocorrida em novembro do ano passado, Duda já havia sinalizado que estava buscando documentos que comprovariam a incongruência dos dados apresentados pelo Detecta. “Nos dias em que o sistema apontou que o carro estava em São Paulo, ninguém da minha equipe, nem eu, estávamos fora de Ribeirão”, disse, na ocasião.

De posse dos documentos, a reportagem conversou com a equipe de Duda Hidalgo sobre o assunto. A vereadora admitiu ter ciência dos documentos e declarou que irá apresenta-los na sessão extraordinária de hoje, que irá determinar uma possível punição a ela.

Desde o início deste processo, denuncio os absurdos e perseguições que foram feitos contra mim. Agora, a única ´prova’ que tinham acaba de cair por terra. Os documentos da própria Câmara mostram que há incoerências nos dados apresentados pelo Sistema Detecta e reforçam aquilo que sempre afirmei: nunca houve ilicitude em qualquer das minhas ações enquanto vereadora e, tampouco, utilizei de forma indevida o carro oficial”, afirmou a parlamentar.

Ela ainda reafirmou a inocência. “Sou inocente e, por isso, qualquer punição que tentarem impor, com base em uma denúncia mentirosa e infundada de um candidato derrotado que não aceitou o resultado das urnas, será injusta e um ataque, não apenas a mim e a meu mandato, mas a 3.481 pessoas que confiaram em mim seu voto e à própria Câmara, que não pode abaixar a cabeça para quem não respeita a democracia e a diversidade dentro da política”, declarou.

Defesa

A reportagem apurou, ainda, que a defesa de Duda anexou, nesta segunda-feira (11), um extenso documento ao processo que corre na Câmara onde apresenta gastos pessoais de todos os assessores nas datas em que o carro foi flagrado em outras cidades. No documento, segundo a defesa, há provas, como pedidos de comida por aplicativo, despesas de cartão de crédito e rastreamento de aparelhos celulares, de que nenhum dos assessores, nem a vereadora, estiveram fora de Ribeirão.

Outro lado

A reportagem falou com Renato Zucoloto, autor do relatório que será votado hoje. Sem analisar o teor dos documentos, o parlamentar questionou o motivo de tais documentos não terem sido apresentados pela defesa da parlamentar.

“Durante a instrução ela disse um monte de coisas, porque que ela não juntou nenhum, nenhum documento no processo? Porque que ela não falou na audiência que era para ser interrogada?”, questionou o  vereador.