Sangue: mais uma mulher é violentada em Ribeirão Preto

Crimes do cotidiano marcam a eterna história da mulher na cidade; qual a solução?

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“O medo de sofrer é pior que o sofrimento em si.Todos vão me machucar, só me resta escolher quem merece minha dor” - Rita Lee | Foto: Rede social

“Na esquina da minha casa

O medo bate a minha porta 

da janela vejo a rua 

e muito sangue a minha volta

Vejo choro, vejo guerra

machismo por toda parte

assédio tomando conta

é mais um homem covarde

É mais uma mulher que grita na esperança de viver

é mais um fato ao meio dia

passando pela tv

Pra que lado olho agora ?

quem será que vai me ouvir ?

só por causa de uma saia 

a culpa toda vem pra mim ?

 

Todo dia uma luta

todo dia um sofrimento

colocam a mão em minha boca

depois vivem o lamento

 

Cultura do machismo que me tira a existência

pela morte de mais uma 

todas gritam RESISTÊNCIA”.

* Uma Mulher que Grita na Esperança de Viver. (Ana Rita Sales dos Santos)

Lesão corporal, tentativa de homicídio, golpe de arma branca, disparo de arma de fogo, estupro de vulnerável, cárcere privado, descumprimento de medida protetiva, ossadas em meio ao milharal finito. Tais violências categorizaram a natureza de alguns dos Boletins de Ocorrência que foram notificados nos últimos meses, em Ribeirão Preto. 

De fevereiro à atualidade de abril, um total de 24 notificações (e contando) em uma delegacia da Polícia Civil localizada no perímetro central da urbe. Sobre os acusados: familiares e ex-companheiros de amor que estampam os registros policiais e marcam para sempre a história de mais uma mulher que é violentada. 

Sangue, morte, opressão, sofrimento e mais um número somado em planilha. Dados. Uma mãe que deixa a família, ou então a própria filha que deste plano parte ou que chora sangue pela vida inteira. Traumas. A violência contra a mulher em Ribeirão Preto atinge desde a criança até a terceira idade. 

Como indicado pelo Painel da violência em Ribeirão Preto, desde a virada de 2023 até a última atualização dos dados, em 26 de março de 2024, 1.535 casos de violências diversas foram notificados. Deste total, 71.47% dos registros vitimaram vidas do sexo feminino. 

A região norte é a principal afetada, com 310 casos notificados. Em seguida, a oeste (260), leste (197) e sul (176). No centro, 132 crimes foram denunciados.

Apenas em 2024, 268 casos foram registrados. Destes, 70.15% foram cometidos contra as mulheres. Sobre a faixa etária das vítimas, as principais afetadas estão entre 20 e 29 anos (80.6% foram mulheres), seguida dos 30 a 39 anos (78.26% foram mulheres). O pódio se completa com as crianças de até 4 anos, que foram vítimas em 45 casos notificados (42.22% foram mulheres). 

Os idosos 60 + foram atingidos em nove episódios de violência. Até 69 anos, 85.71% das vítimas foram mulheres. No público 80+, a única denúncia de crime foi contra uma mulher. 

Dados do IBGE apontam que a população da região metropolitana de Ribeirão Preto possui mulheres em sua maioria. O gênero representa 51% da população desta geografia. 

Na última edição da Agrishow, realizada em 2023, o governador de SP, Tarcisio de Freitas (Republicanos) prometeu uma nova unidade da Delegacia de Defesa da Mulher na cidade. Essa, com funcionamento por 24 horas. Inédito.

Prefeito entrega ofício para a implantação da DDM 24 horas em Ribeirão Preto. 01/05/2023 | Foto: Divulgação

A Região Metropolitana de Ribeirão Preto foi institucionalizada em 6 de julho de 2016, sendo formada por 34 municípios agrupados em quatro sub-regiões geográficas. Em relação aos habitantes, são estimados em 1.7 milhão. 

Em 2020, com base em levantamento do REGIC (Regiões de Influência das Cidades), realizado pelo IBGE em 2018, a cidade  foi categorizada como Capital Regional “A”. 

A pesquisa define a hierarquia dos centros urbanos brasileiros e delimita as regiões de influência a eles associados. 

A oferta de serviços entre as cidades faz com que populações se desloquem a centros urbanos buscando por saúde e educação ou buscar um aeroporto e até rodoviária, por exemplo. Mas, e a busca pela segurança da mulher? 

Silenciadas

Dados do DataSenado, em pesquisa publicada em novembro de 2023, com auxílio do Observatório de Violência Contra a Mulher: 6 em cada 10 mulheres que foram violentadas não procuraram alguma autoridade para denúncia do fato. 

Algumas mulheres inicialmente responderam que nunca tinham sofrido violência física, mas se reconheceram como vítimas após questionamento a respeito de violência verbal e patrimonial, por exemplo. 

Sobre os motivos que impossibilitam a prática da denúncia, as mulheres indicam o medo pelo agressor, a falta de punição e a dependência financeira como principais pontos de dificuldade. 

52% afirmam que a violência partiu do próprio marido, enquanto 7% acusam o próprio pai ou padrasto de violação. O ciúmes seria o principal sentimento envolvendo a consumação do ato de violência.

21,8 mil brasileiras de 16 anos ou mais foram consultadas. 

Machismo enraizado

Falta de punição. Medo. Dependência financeira. Prática criminosa por familiar ou ex-companheiro próximo. Quando somados a falta do apoio próximo e práticas de políticas públicas e direitos humanos, se engole a dor para que mais um dia comece. 

Machismo estrutural. O adjetivo de dois gêneros se refere à maneira como algo se constroi e se organiza em sociedade. Como consequência, a perpetuação da vítima como culpada pelo crime, a inferioridade que esta é colocada e a falta de credibilidade em suas afirmativas de denúncia. 

Qualquer notícia relacionada a violência contra a mulher acaba sendo julgada pela condição enraizada, principalmente nas redes sociais. “Se elas abrissem as mentes ao invés da pernas pra qualquer um, esse número com certeza diminuiria…”, comentou um internauta de sexo masculino a respeito do aumento na solicitação de medidas protetivas pela DDM online. 

Por outro lado, a indignação. “Nos últimos dias foram muitas notícias de feminicídio, como as famílias estão educando os meninos? Que viram esses homens possessivos, que matam porque não aceitam ouvir não”, comentou uma usuária do Facebook.

Além do universo virtual da internet, a realidade nua e crua também sofre as consequências do machismo estrutural. “Briga de marido e mulher, não se mete a colher”. Mais uma morte. 

“Não use um vestido tão curto. Vai chamar muita atenção” ; “Você gosta de futebol? Mas é coisa de homem” ; “É só uma piada”. Além do machismo em frases cotidianas, tal condição se reflete em baixos salários, cargos no mercado de trabalho com dificuldade de progressão em carreira e desvalorização intelectual. Sentimento de insuficiência e fraqueza. 

Registro virtual é uma boa opção?

Por meio da DDM online, que funciona de forma virtual pelo site da delegacia eletrônica e aplicativo SP Mulher Segura, o número de medidas protetivas de urgência solicitadas aumentou 23% no primeiro trimestre deste ano, quando comparado ao mesmo período de 2023. 

Conforme o levantamento divulgado pelo próprio governo estadual, foram 6.881 solicitações no ano passado, ante 8.473 nos três primeiros meses de 2024. 

Por tais plataformas, as mulheres podem registrar o Boletim de Ocorrência e pedir a proteção. Justiça…?

“Tesouro, presa, jogo e risco, musa, guia, juiz, mediadora, espelho, a mulher é o Outro em que o sujeito se supera sem ser limitado, que a ele se opõe sem o negar. Ela é o Outro que se deixa anexar sem deixar de ser o Outro. E, desse modo, ela é tão necessária à alegria do homem e a seu triunfo, que se pode dizer que, se ela não existisse, os homens a teriam inventado” – Simone de Beauvoir. 

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