Terra Negra

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Gilberto Abreu, é professor e ex-vereador em Ribeirão - Foto: Divulgação

( Gilberto Abreu)

                                                        

Terra Negra é o nome que se dá aos riquíssimos solos do tchernozion da maior parte da Ucrânia e de uma porção da Rússia. É orgânica, por isso prescinde de fertilização artificial. Depois do rigoroso inverno que chega a temperaturas negativas de dezenas de graus abaixo de zero, ocorre o aquecimento na estação primaveril. Essa dialética da Natureza provoca uma revolução biológica, que é a da profusão miraculosa de microorganismos que enriquecem os seus solos. Um manto negro de altíssima fertilidade. O que explica uma produção agrícola excepcional. Cerca de trinta por cento do trigo, cevada, centeio e do girassol colhidos no mundo.

Portanto, é diferente da nossa Terra Roxa. Expressão que deriva das falas dos imigrantes italianos que a chamavam de terra rossa, vermelha na língua de Dante. Foi formada por derrames basálticos vulcânicos ocorridos há milhões de anos atrás que, sedimentados, deram origem aos chamados latossolos vermelhos. Em algumas porções atingem vários metros de profundidade. Foram responsáveis por tornarem Ribeirão Preto capital mundial do café, há mais de um século.

A Terra Negra ou tchernozion é a benesse da Ucrânia. Paradoxalmente é, também, a razão de suas desgraças históricas.

A vizinha Rússia nunca a considerou autônoma. Considera-a como sua. Uma vergonhosa mentira, pois ela mesma se originou do Rus de Kiev, há mais de um milênio atrás. Tentou sonegar a sua cultura. Até a sua língua. Incorporou-a ao seu Império. Aglutinou-a em todo o tempo do período soviético. Agora, numa guerra insana a quer submetida, de novo, mesmo que para isso tenha de arrasá-la.

Por falar em insanidade, a maior de todas foi a do regime nazista. Ao defender o seu Lebensraum –espaço vital-, Adolf Hitler pretendeu colonizar o Leste europeu. Submeter os eslavos, aos quais desqualificava como subumanos e eliminar toda a população de judeus que considerava inumanos. O seu grande objetivo era o de tornar a Alemanha a maior potência mundial, sobrepondo o seu povo a todos os demais, com uma guerra biológica porque racista. Para isso, necessitava dos recursos energéticos da Rússia e dos alimentos da Ucrânia. À época, ambas eram partes federadas da União Soviética. Não conseguiu, sobretudo por não contar com a resistência obstinada de suas populações. A um custo de 27 milhões de soviéticos mortos, sendo 8 milhões deles de ucranianos.

No atual conflito, a Rússia que tem o maior espaço vital do mundo, já que o seu território é o dobro do do Brasil, reedita essa loucura. Tenta impedir que a Ucrânia se alie ao bloco econômico, político e militar do Ocidente. Quer dizer, que faça parte da União Europeia e da OTAN, a Organização do Tratado do Atlântico Norte.

Num mundo faminto, notadamente na maioria dos países africanos e latino-americanos, cerca de 25 milhões de toneladas de grãos estão encalhados na costa ucraniana do Mar Negro. O conflito impede que sejam transportadas para mais de duas dezenas de países.

Em situações normais, nesta época do ano os ucranianos estariam a semear os seus grãos, as suas oleaginosas, os seus frutos. A inadmissível agressão russa os impede. O que deve agravar ainda mais a segurança alimentar mundo afora.

A terra negra da Ucrânia, infelizmente, está sendo irrigada com sangue. Maneira mais cruel de torná-la assemelhada à nossa Terra Rossa. Quer dizer, vermelha…

P.S.: há um livro excepcional do historiador americano Thimothy Snyder, editado pela Companhia das Letras em 2016, “Terra Negra – O Holocausto como História e Advertência” que merece ser lido, notadamente no que adverte. Nesses tempos que se tornam sombrios. De novo…